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Ainda em 2023, uma assembleia de pais organizada pela direção do Colégio Estadual Imigrante, em Caxias do Sul, definiu pela instalação de caixas de metal para armazenar os celulares dos estudantes durante as aulas.
— O professor perdia uns 15 minutos da aula só para solicitar aos alunos que guardassem o celular — confessa a diretora, Simone Lorandi Comerlato.
Com essa medida, que flexibilizava o uso dos smartphones apenas durante o recreio, a gestora acredita que a transição para a restrição total, imposta pela lei federal n°15.100, é mais tranquila na instituição, localizada no bairro Bela Vista.
Na quarta-feira (19), o governo federal regulamentou a legislação, estabelecendo entre as normas, a obrigatoriedade de estratégias de orientação aos estudantes e a capacitação dos profissionais de educação sobre o tema. Também há menção sobre uma gestão democrática do ensino e garantia da participação da comunidade escolar na adequação das regras ao contexto local.
Está restrito, desde janeiro, quando sancionada a lei, o uso de aparelhos eletrônicos portáteis pessoais por estudantes nos estabelecimentos públicos e privados de ensino da educação básica. As exceções abrangem o uso dos dispositivos para fins pedagógicos ou em necessidade especial de saúde, por exemplo, mediante apresentação de atestado ou laudo médico.
Todas as 23 salas do Imigrante contam com o recipiente para guardar os aparelhos, segundo Simone, que está à frente da escola há 10 anos e há 25 trabalha no local. As caixas são chaveadas pelos professores.
— Nossos alunos já estavam acostumados com isso, a única coisa que mudou é que no intervalo, até o ano passado, eles poderiam usar o celular. A partir dessa nova lei federal, não mais. Agora eles entram na sala de aula, no primeiro período, o professor faz a chamada e já recolhe todos os celulares. No final do turno, o professor abre a caixinha e eles pegam — explica.
É o maior colégio estadual de Caxias em número de alunos: para 2025, beira as 1,4 mil matrículas, entre 1° ano do Ensino Fundamental e o 3° ano do Ensino Médio. Trezentos deles são novatos. Somente nas manhãs, são 23 turmas. A instituição atende, também, à tarde e à noite.
Apesar do exército de jovens, não houve registro de casos de uso dos aparelhos por eles na primeira semana de aula no Imigrante, de acordo com a diretora. O ano letivo da rede estadual teve início no dia 13. Em sete dias, Simone já observa uma maior concentração, melhora no ensino-aprendizagem e ganho na socialização entre os alunos.
— Essa lei veio só a fortificar o que a gente já estava fazendo — complementa.
Entretanto, caso o estudante seja visto com o celular no Colégio Imigrante, o aparelho será recolhido. Os 68 professores receberam, no início deste mês, as orientações de como proceder nesses casos.
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— Nós temos muitos alunos que ainda dizem que não trazem o celular, mas às vezes os vemos pegando na mochila, porque temos câmeras em todas as salas de aula. O procedimento com a nova lei é: retira o celular, vem para a minha sala e a gente chama os pais para buscar o celular. Isso fazemos uma ou duas vezes. Depois procuramos instâncias maiores, tipo Brigada Militar, Ministério Público, porque é uma lei, e a lei tem que ser cumprida — garante Simone.
Aparelho é desejado no recreio
Para a aluna do Imigrante Andriely de Freitas, 17, o celular não faz falta no ambiente escolar porque ela não costumava utilizá-lo durante as aulas.
— Está sendo tranquilo. Eu trago o celular porque depois da aula vou para o trabalho, então eu preciso — relata.
Por outro lado, a adolescente não concorda com a restrição do uso no recreio. É o mesmo que pensa a Júlia Silva, 17, que também está no último ano do Ensino Médio:
— Deixo o celular na caixinha. Eu acho que o pessoal está interagindo mais (após a lei). A única coisa que não achei legal é proibirem (o uso do celular) no recreio, porque é nosso momento de descanso. Não achei certo.
Na visão do estudante Breno Oliveira, 16, está sendo deixado de lado uma ferramenta que contribui para a aprendizagem.
— Está sendo chato se acostumar nesses primeiros dias, porque usamos bastante para uso pedagógico, então não temos mais essa ferramenta que até ano passado usávamos bastante — afirma.
Mais aprendizagem, sem deixar a tecnologia
Onde os estudantes também precisam colocar os eletrônicos pessoais todo início de aula nas caixinhas — que ficam sob supervisão dos professores — é na Caminho Rede de Ensino.
Por lá, essa é a rotina desde o segundo semestre do ano passado. A diferença é que, agora, não podem mexer nas redes sociais, por exemplo, nem no intervalo, em razão da nova lei. A escola particular conta com 1.425 alunos neste ano, desde o Maternal até o último ano do Ensino Médio, entre as manhãs e tardes.
O diretor-geral, Júlio César Chiappin, afirma que os próprios estudantes estão relatando uma evolução na interação entre eles. Com uma semana de aula completada na quarta, a avaliação é que foram dias tranquilos, e que as orientações são reforçadas nas reuniões com os pais.
— Os professores vêm percebendo uma questão de concentração, de presença em sala de aula muito melhor. Como já iniciamos antes (da lei), demos um passo gradativo, para não ser uma coisa repentina — relata.
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Chiappin explica que os cerca de 90 docentes foram capacitados para essa norma nas jornadas pedagógicas, que ocorrem antes do início do ano letivo. Uma das instruções se refere à maneira em que o jovem, caso visto com o celular, será abordado:
— Na escola, nossa responsabilidade é educar e ensinar. Não vamos, por exemplo, arrancar o celular da mão de um estudante que estiver portando o celular e impor como uma questão de lei. Vamos conversar, 'olha só, você sabe que tem uma nova lei?', estamos fazendo assim. Partimos da orientação para depois aplicar as sanções — assinala o diretor-geral.
Com os dispositivos particulares na mesa do professor, os estudantes são incentivados a utilizarem os aparelhos eletrônicos da escola, como computadores e tablets, que possuem configurações especiais de uso para aprendizagem.
A Caminho conta com uma solução para aqueles pais que, antes das mudanças, costumavam conversar com os filhos pelo celular para saber se ele chegou na escola, por exemplo. Na entrada, os alunos precisam passar por catracas, que são liberadas após reconhecimento facial. Esse equipamento encaminha aos celulares dos responsáveis automaticamente uma notificação que informa a entrada ou saída do estudante.
O diretor-geral Chiappin tem expectativa de, ao longo deste ano, promover ações específicas, como palestras e workshops, que debatam o cuidado sócio-emocional e a importância do uso moderado de redes sociais e celulares.
Saída por meio da conscientização
Enquanto a vice-diretora do Colégio Estadual Henrique Emílio Meyer, Vanessa Duarte, conversava com a reportagem, na quinta, um estudante de 15 anos aguardava ela, no saguão, após ser flagrado mexendo no celular durante a aula pela professora.
— Conversamos com eles, tentamos conscientizar. Se acontece de novo, os pais são comunicados. Pedimos auxílio dos pais, porque fica complicado a gente retirar o celular, que é um pertence deles — explica Vanessa.
Segundo ela, a primeira semana foi de divulgação da lei para os alunos, o que já gerou em uma mudança de postura dos alunos.
— Não tem proibição, não temos caixinha para eles guardarem o celular. Estamos seguindo como está na lei, coloca na mochila e deixa guardado, só pega na hora que sair da escola — estabelece.
O Emílio vem logo depois do Imigrante nas escolas estaduais caxienses com maior número de matriculados, conforme a 4ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE): mais de 1.050. A instituição, situada no bairro Exposição, atende manhã, tarde e noite.
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Vanessa observa uma certa resistência ao cumprimento da restrição entre quem frequenta o primeiro ano do Ensino Médio, diferente dos veteranos, que focam em estudar para o Enem e vestibular.
Ainda assim, a vice-diretora conta que, em alguns momentos, como recreio, é liberado o uso consciente do aparelho. Mas quando retornam para as salas, precisam guardar:
— Essa geração que está aqui já nasceu com o celular na mão, então é complicado dizer 'agora tu não pode mais usar'. Tudo é uma questão de bom senso, para que tudo caminhe bem. E tem funcionado.
Vanessa revela que as equipes docentes se preparavam para enfrentar dificuldades na primeira semana, mas não foi o que se mostrou na prática. A avaliação dela é que os resultados pedagógicos serão positivos. Foram poucos casos como o do estudante encaminhado à sala da vice-direção, segundo ela:
— Pelo que observei na primeira semana, os resultados pedagógicos serão muito bons, porque a gente via um entrave muito grande aos estudos por causa do celular. Assim vai melhorar bastante o desempenho deles. Percebemos eles mais focados em sala, mais participativos.
"Por enquanto os alunos não estão se adaptando"
Frequentando o 2° ano do Médio no Colégio Henrique Emílio Meyer, Klayton Gustavo dos Santos Rodrigues, 16, percebeu os colegas menos comunicativos nesses primeiros dias sem smartphone.
— Porque viviam no celular, eu também, para falar a verdade. Mas eu gostei de ficar sem celular, porque eu vejo como está o mundo fora (das telas) — confessa ele.
O rapaz diz sentir falta pelo lado educativo, também, "já que muitas vezes o professor passava atividade pelo celular". Ele deixa o dispositivo guardado na mochila e tira somente no recreio, quando é permitido no colégio:
— Só na hora do intervalo que foi liberado. Mas nas aulas não pode de jeito nenhum. Na aula a gente encerra e vai estudar.
A aluna Emilly do Nascimento Soares, 16, conta que alguns colegas não têm respeitado a regra, fazendo com que os professores tenham que pedir repetidas vezes para que o aparelho seja guardado:
— Acredito que futuramente a lei pode ser boa, mas por enquanto os alunos não estão se adaptando.
Outras garantias da lei
- Oferta de educação digital para o uso seguro, responsável e equilibrado de aparelhos eletrônicos aos professores;
- Docentes devem ser capacitados a identificar sinais de sofrimento psíquico em estudantes, decorrente do uso imoderado dos celulares;
- Escolas precisam divulgar a forma como os celulares serão usados de forma pedagógica e como os aparelhos serão guardados durante a aula, o recreio ou os intervalos;
- Instituições de ensino são responsáveis por estabelecer as consequências do descumprimento da lei, considerando o que já foi estabelecido pelas normas federais e as orientações emitidas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE);
- Estabelecimentos públicos e privados devem realizar ações de conscientização sobre os riscos de uso excessivo de celulares e outros eletrônicos portáteis pessoais;
- Escolas devem promover espaços de escuta e garantir acolhimento aos estudantes, professores e demais profissionais que apresentem sinais de sofrimento psíquico relacionados ao tema.