Na última semana, o Tribunal de Justiça do Estado (TJ-RS) acatou recurso da plataforma de aluguel de imóveis Airbnb e derrubou a liminar que impedia o serviço de atuar em Gramado. A alegação do poder público no pedido de restrição do serviço era de que não havia como fiscalizar esse tipo de atividade para garantir o cumprimento de todas as normas de combate ao coronavírus. Ao Pioneiro, a gerente de relações institucionais e governamentais do Airbnb no Brasil, Flavia Matos, classificou a ação movida contra a plataforma no município da Região das Hortênsias como "anticompetitiva". Ela também afirmou que a marca vem adotando medidas para tentar reforçar a política de segurança e proteção aos usuários do serviço. Confira a entrevista:
O que tem sido percebido de movimentação mais atípica na plataforma neste período de covid e como estão trabalhando com a questão da segurança sanitária?
Qualquer iniciativa que tenha a intenção de conter o vírus para nós é muito bem-vinda. O que temos visto acontecer na plataforma, e essa é uma das nossas preocupações, a gente tem visto uma quantidade significativa de pessoas que têm feito reservas para as mesmas cidades onde elas moram para se isolar de grupos de risco. Essas reservas são mais longas, de 15 a 30 dias. Por isso percebemos que o objetivo é que as pessoas façam a quarentena em outro lugar para proteger outras (pessoas).
Há uma situação envolvendo o Airbnb e a prefeitura de Gramado, que pede a proibição de operação da plataforma neste período de pandemia. O pedido de liminar havia sido concedido, mas já foi derrubado. A prefeitura, no entanto, promete recurso. Como avalia toda essa questão?
Em todos os lugares em que houve liminares contra a atividade de locação para a temporada, ou no turismo em geral, nós cumprimos a liminar. Isso aconteceu muito nos litorais, se eu não estiver esquecendo nenhuma, neste momento a gente já acumulou 17 (liminares). A questão em Gramado é de outra ordem, é completamente diferente do Brasil inteiro: ela permite a reabertura do setor hoteleiro, mas impede ainda que a locação por temporada possa voltar a acontecer. Aí tem uma questão que não é propriamente de combate ao alastramento do vírus. No momento que uma decisão desse tipo é tomada, a gente entende que uma ação anticompetitiva está se colocando. É uma ação que vai contra a maior disponibilidade de opções aos usuários que precisam se hospedar em Gramado neste tempo. A nossa comunidade (anfitriões que oferecem locações) é muito responsável e comprometida, e a base toda do Airbnb se estabeleceu na confiança entre as pessoas. Afinal, você vai para a casa da outra pessoa... Sem confiança, a nossa comunidade não existe, é o valor principal. E é a partir desse princípio que a gente também confia que a nossa própria comunidade está muito preocupada com a contenção do vírus. A gente percebe isso conversando com os nossos anfitriões. Alguns deles já tiraram datas de locação em locais que o vírus está chegando.
Mas a principal argumentação da prefeitura é a dificuldade de fiscalização. Há alguma possibilidade de realizar essa fiscalização? A empresa está tomando as medidas sanitárias necessárias?
Vamos lançar na próxima semana o nosso protocolo, o nosso programa avançado de limpeza. E ele tem referência naquilo que viemos observando globalmente, principalmente na China, que já reabriu e onde a gente percebe tendências interessantes. As viagens domésticas aumentaram (na China), e a gente acredita nisso até pela questão da retração da economia e também porque as pessoas pretendem voltar a viajar de carro para um ambiente mais controlado. E a gente vem observando um cuidado acima do que a gente já tinha conhecimento com a limpeza, com a própria segurança. A empresa anunciou esse protocolo que vai considerar orientações e regras para que os anfitriões tenham certeza de que o ambiente esteja livre de potencial contágio, e aí terão especificidades, protocolo para o banheiro, para os cômodos, enfim, produtos distintos. E em adição a isso, uma janela de 24 horas para garantir que não haja contágio mesmo. Então o hóspede deixa aquela locação e a residência não poderá ser alugada nas próximas 24 horas, mesmo tendo sido adotado o protocolo de limpeza. O lançamento disso está para acontecer na última semana de maio.
Mas trabalhando na hipótese de contágio de algum hóspede... o AirBnb se responsabilizaria?
Esse tipo de situação... ela, para dizer a verdade, assim, a gente... claro que a preocupação maior da plataforma é com a segurança das pessoas. Mas esse é um tema superdelicado ainda porque... como você vai comprovar que a pessoa foi infectada em determinado lugar? De maneira geral, esse assunto está sendo discutido. Como você garante, como você prova que foi infectado naquele lugar? Aí é que volta aquele valor principal da plataforma que é a confiança. Tudo que a gente puder fazer para aumentar a confiança entre as pessoas, a gente vai fazer.
Com relação à fiscalização, há possibilidade de poder compartilhar informações à prefeitura para que o poder público verifique se as medidas sanitárias adequadas estão sendo adotadas?
Em princípio, o produto foi pensado para que o próprio anfitrião seja o responsável por validar aquele lugar como um lugar que segue todos os protocolos necessários. Mas a nossa ala de relações governamentais existe há cerca de quatro anos, e a gente mantém os canais abertos com todos os governos, então, sendo alguma coisa que deva ser discutida, o Airbnb está disposto a discutir.
A senhora comentou que há uma estratégia das redes estabelecidas em coibir a atuação do Airbnb por representar ameaça de concorrência. É algo que preocupa vocês, a possibilidade de que, após essa crise, essa oposição se intensifique?
No nosso histórico pré-covid, a locação por temporada foi sempre feita, e então existe uma legislação específica para isso, que é a lei do inquilinato, ela é federal, etc. Apesar disso, antes da covid, já tínhamos visto 26 iniciativas legislativas com essa intenção de restrição da atividade, de tentativa de comparação com a atividade hoteleira e buscar impor as mesmas exigências. A maioria esmagadora dessas tentativas legislativas foram arquivadas por inconstitucionalidade. A gente vê um turista que quer cada vez mais opções, e além de tudo isso, a plataforma é inclusive para hotéis. A gente se coloca, e gostaria de se colocar cada vez mais como parceiros comerciais dos hotéis.
E como então estão buscando resolver efetivamente essa situação com a prefeitura de Gramado?
A gente está à disposição da prefeitura para dialogar. Já fizemos contato e esperamos que possamos atender a prefeitura e a comunidade de Gramado com as medidas que as autoridades considerem necessárias para a contenção do vírus. Estamos tentando, temos mantido contato, sobretudo com o secretário Rafael (Carniel, secretário de Turismo), que tem sido bastante solícito, e estamos buscando construir uma parceria para que consigamos conter avanço do vírus e recuperar o turismo o mais rápido possível.
O turismo é o setor que mais sofrerá com essa crise e terá mais dificuldade de reação, apontam estudos. Ainda assim, pode haver a ressaca disso, que pode significar crescimento exponencial no futuro. No caso do Airbnb, vocês enxergam possibilidade de se tornar uma opção de renda para muitas famílias que sofreram com a questão de desemprego neste período?
Sim. A gente viu, sobretudo no Brasil, que os momentos de maior crescimento da plataforma foram momentos de crise econômica.
Vocês projetam crescimento nesta também?
Acho que neste momento apontar sobre o futuro é especulação. A gente não tem ideia do que vai acontecer pós-covid, mas enfim, pode ser que aconteça.