
Item quase indispensável no prato básico de almoço ou janta do brasileiro e protagonista em celebrações com churrasco, a carne vem ganhando novos cortes e modos de preparo, que transformam o mercado consumidor e os açougues da Serra.
Onde antes se comprava apenas bifes, guisado para o dia a dia, ou um corte de picanha ou costela para o almoço de domingo, agora virou local onde algumas peças podem custar R$ 1 mil o quilo.
Inspirados em tendências internacionais, como a culinária americana, japonesa e platina, consumidores buscam hoje por cortes como o chorizo, shoulder ou wagyu.
Atualmente em Caxias do Sul são 57 açougues em atividade. Alguns mantêm a oferta do produto tradicional para consumidores mais conservadores. Outros mesclam os cortes mais conhecidos com as novas tendências, alcançando uma parcela diferenciada de consumo.
Esse é o caso do O Açougue, no bairro Jardim América. Os sócios Rodrigo Lazzarotto e Adriano Velho perceberam que, além de quem busca a proteína para pratos e preparos do dia a dia, há quem deseja a qualidade superior do produto para refeições especiais.

— A gente não foge das tradições gaúchas, mas percebemos, quando abrimos há oito anos, uma tendência do mercado aproximada do mercado uruguaio-argentino, que usa mais a grelha. A gente aproveitou essa brecha e foi trazendo para esse lado. Passados mais alguns anos, percebemos o mercado de São Paulo buscando influências do mercado americano, que é de onde vem esses nomes como denver steak e o shoulder — explica Lazzarotto.
Para esses cortes, é utilizada a parte dianteira do boi. Diferentemente do que é comum no churrasco gaúcho, os cortes americanos valorizam o que, até agora, vinha sendo tratado como "carne de segunda" pelo mercado brasileiro.
Os sócios percebem que o público é dividido. Os consumidores acima dos 50 anos de idade buscam os cortes tradicionais para o churrasco gaúcho, como picanha ou maminha.
— A geração nova, que a gente está atendendo agora, está mais inclinada para o churrasco na grelha. Eles buscam não só a carne, mas ter a experiência do churrasco, na parte de produtos mais personalizados. São pessoas que não se importam muito em pagar mais por um produto de qualidade — analisa Velho.
Os sócios buscaram aliar o tradicional ao novo e, por isso, consideram que conseguem agradar as duas fatias do mercado consumidor. O novo mercado, que busca os cortes para grelha, já representa 80% da clientela.
Mas o que muda entre uma carne tradicional, como os cortes para churrasco gaúcho, e um corte para grelha? Tudo começa na criação dos bois. Eles são confinados para que a gordura fique entremeada na carne e não em formato de capa, como nos cortes tradicionais.
— O marmoreio dela é muito diferenciado. Esses bois não caminham tanto. Isso faz com que eles comam muito mais gordura. Essa gordura que a gente vê hoje, nesses bichos que ficam mais parados, é uma gordura dentro do músculo. Isso dá uma maciez e um sabor muito maior para a carne, esse é o grande diferencial — explica Velho.

Ainda na linha de produtos para preparar na grelha, os sócios observaram que muitos clientes também buscam os acompanhamentos pré-prontos, como legumes recheados com queijo.
No açougue boutique, como os sócios descrevem, além do ingrediente, o consumidor encontra temperos prontos, bebidas alcóolicas e facas e tábuas personalizadas. Além disso, o açougueiro passa a ser uma espécie de consultor e não apenas o profissional que corta a carne e entrega ao cliente.
— O açougueiro, hoje, não só corta, ele também vende o produto, dá dicas, ajuda a dimensionar a quantidade e explica os cortes. A gente já tem uma máxima de que não existe mais carne de primeira e carne de segunda. É boi de primeira e boi de segunda. Sendo um boi de qualidade, qualquer corte vai ser bom — afirma Lazzarotto.
Espaço para inovar
Há cerca de dois anos, os sócios do açougue Bareinha, Luiz Barea e Bruno Barea, que também são pai e filho, começaram a oferecer a carne wagyu no estabelecimento que fica no bairro Panazzolo. De origem japonesa, é considerada uma das carnes de nível mais alto do mundo.
Para criação dos bois, são usados métodos especiais, que garantem mais gordura entremeada ao músculo. A principal característica é a textura macia e amanteigada. O quilo pode variar, chegando até R$ 400, dependendo do corte.

O interesse dos clientes surgiu junto da tendência do churrasco na grelha, há cerca de 10 anos, explica Bruno.
— A gente sempre tentou inovar nos tipos de raças e cortes que oferecemos. Quando começamos, o mercado era basicamente só cortes de espeto. Então, com a evolução da grelha, foi também aumentando a procura por esses. Vimos nessa oportunidade uma brecha para oferecer esse tipo de produto. Começamos trabalhando com dois bois por ano, hoje temos demanda para trabalhar com um boi por mês, com saída e procura imediata — relembra.
Agora, a busca por produtos para preparo na grelha é quase 90% do total. A característica da clientela se adaptou ao que é oferecido no açougue: a qualidade é a preocupação principal. O valor é secundário.
— Aqui o pessoal sempre vem pela qualidade da carne. Trabalhamos em média de 10% mais caro na raça britânica do que os outros, porque o nosso boi tem um trato que é só feito para ele. A fazenda produz o próprio milho, a própria soja, faz a ração toda dentro da fazenda. Isso tudo tem um custo, para ter uma qualidade melhor. O que vai mudar? O sabor, a textura e a maciez. São características da carne que vão também mudando com as raças — explica Bruno.

Atualmente, os sócios mantêm um grupo no WhatsApp com clientes que têm interesse na compra do wagyu. Isso porque o boi é abatido uma vez por mês e quem tem interesse precisa deixar o nome na lista para garantir um pedaço.
— Quando os clientes vêm aqui, a gente oferece. Então, se quiser, é só deixar encomendado. Avisamos quando chega o wagyu para o comércio. A procura, principalmente nos últimos dois anos, tem aumentado bastante para esses tipos de raças diferentes de gado. Foi caindo no gosto do pessoal e aumentado bastante a procura. No início até deu uma trancadinha, pelo valor, mas depois caiu no gosto do pessoal, que viu que é uma carne diferenciada, mais saborosa, totalmente diferente dos bois britânicos que eles costumam comer — analisa.
Mercado de luxo

Outro tipo de carne muito comum no dia a dia é o presunto. Mas, diferentemente do apresuntado encontrado nos mercados, a empresa Gran Nero, de Flores da Cunha, investe numa tendência que também está crescendo: os presuntos crus.
A charcutaria, palavra que deriva do francês Charcuterie, tem origem no século 15, mas vem ganhando força nos últimos anos. Essa categoria de produtos remete ao preparo por métodos de salga, fermentação, cura e defumação de qualquer tipo de carne, sejam aves, peixes, bovinos, suínos e qualquer carne de caça.
— Esse é um produto que, no Brasil, vem crescendo, porque ele se enquadra no mercado de luxo. Porque é um produto que tem muitos cuidados na matéria-prima, na elaboração, e muito tempo para ficar pronto — explica o proprietário da Gran Nero, Edgar Scortegagna.

Diferentemente do que muitos pensam, o presunto cru não é a mesma coisa que o presunto de Parma. Isso porque o Parma é apenas aquele produzido na Itália. Mas inspirado nesse produto e também nos Jamóns espanhóis, Scortegagna desenvolveu, junto com a Embrapa, uma mistura de raças de porco para que o produto derivado tenha qualidade superior e sabor semelhante aos internacionais.
Os porcos são alimentados com sementes de granola, gergelim e linhaça, que garantem uma composição corporal com mais gordura e marmoreio para a produção dos presuntos.
— De 2013 a 2018, nós começamos a testar o que esse suíno iria comer para ele ter o sabor que nós queremos. Nós fomos testando vários modelos e conseguimos unir quatro sementes, que são ricas em ácido linoleico. É como se o porco tomasse azeite de oliva. É uma gordura saudável. A diferença desse presunto é que quando tu come uma fatia, ela se derrete na boca — explica Scortegagna.
Apesar de considerar um produto premium, a empresa vende os presuntos em redes de supermercados no país todo, o que Scortegagna considera uma porta de entrada aos consumidores que ainda não conhecem esse tipo de alimento.
— A maior parte dos consumidores já viu o presunto em algum lugar ou já experimentou o Parma, ou já foi para a Espanha. Tem uma referência. A minoria são os que compram no supermercado. Na prateleira, ele vai encontrar várias marcas e compra pela curiosidade. Outra coisa que nos ajudou muito no Brasil, ao longo dos tempos, é o fato de denominarmos uma pizza de "Pizza Parma" e começou a popularizar o presunto cru — explica.

Com a facilidade de encontrar os presuntos em supermercados, a pizza Parma e a tendência crescente das tábuas de frios, Scortegagna observa a empresa crescer cerca de 25% ao ano, desde a inauguração em 2020, com uma produção que gira em torno de cinco toneladas por mês.
— As pessoas começaram a ter mais acesso a esses produtos. Até porque eles estão do lado do salame e da copa, que já é conhecido tradicionalmente. Se nós fossemos, hoje, vender toda a charcutaria que a gente tem no Brasil, ainda faltaria para atender o mercado. Porque é um produto que precisa de tempo, paciência e dinheiro para produzir — detalha.