A situação que vou relatar se assemelha à que acontece, às vezes, com aquele vaso antigo que está na família há gerações e vem sendo herdado de forma compulsória por membros menos atentos, no ritual de distribuir os pertences dos ancestrais que vão se retirando de cena. O vaso é sem graça, ninguém sabe de onde veio, se possuía algum significado sentimental para os bisavós, mantido em cena como um coadjuvante silencioso ao longo das décadas, passível de ser identificado ao fundo de alguma velha fotografia, refugado a um canto na prateleira. Por hábito, respeito ou inércia, nunca foi jogado fora, acabou ficando, até o dia em que, pelo manejo desastrado de algum cabo de vassoura, espatifa-se no chão e, daí sim, finalmente, obtém a atenção que jamais conquistara em “vida”: lamentamos sua perda, choramos sua saída de cena, mesmo que, antes, nunca tenhamos prestado atenção à relevância de sua atuação silenciosa. Sentimos luto pela perda do vaso insosso e discreto, pois é inerente à nossa índole humana a necessidade de sofrer com o processo de desapego.
Opinião
Marcos Kirst: o luto por um vaso partido
Minha vesícula acabou se revelando tão dispensável quanto o velho vaso da tataravó
Marcos Kirst
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