
Em meio às comemorações dos 150 anos de imigração italiana e ao recente lançamento do projeto de um monumento alusivo à data, recordamos de um episódio “meio apagado” da história oficial dessa epopéia. Trata-se do monumento do centenário, projeto encomendado ao escultor Bruno Segalla, lançado oficialmente em 1975 e posteriormente engavetado pela prefeitura.
O que poucos sabem é que a maquete apresentada na solenidade de 50 anos atrás foi a da famosa escultura Direitos Humanos, situada junto à rampa interna da Câmara de Vereadores desde 1996.
Toda essa história remete a 20 de maio de 1975, quando o presidente Ernesto Geisel visitou Farroupilha e Caxias para as cerimônias oficiais dos 100 anos de colonização. Depois de circularem pelo distrito farroupilhense de Nova Milano – o berço da imigração italiana no Estado –, Geisel, o governador Synval Guazzelli e o prefeito Mário Vanin chegaram a Caxias para o lançamento do projeto do “monumento do centenário”.
A solenidade ocorreu no terreno próximo ao viaduto da Av. Júlio de Castilhos (atual Largo do Correio Riograndense), nos fundos do Parque Cinquentenário. Ali, diante de autoridades, centenas de convidados e curiosos, foi lançada a pedra fundamental da escultura.
Geisel e Guazelli assinaram a ata. Na sequência, depositaram o documento dentro de uma urna, juntamente com jornais, medalhas e moedas. Conforme áudio do filme original , “...ela ficará sob o pedestal do futuro monumento, com que Caxias do Sul assinalará o seu centenário”.
Mas não foi bem isso que aconteceu...



QUESTÕES POLÍTICAS
Ministros, secretários do Estado e o presidente da comissão de festejos do centenário, empresário Otoni Minghelli, também acompanharam a cerimônia. O único que não compareceu foi o autor da obra. Bruno Segalla Filho, o Bruninho, recorda que o pai foi “desconvidado” a participar por questões políticas.
– Como ele havia sido cassado (pela ditadura militar) em 1964, evitaram o constrangimento às autoridades não o convidando para o evento. E, a partir da inauguração, o projeto foi esquecido. Não havia um motivo oficial para tal, mas é certo que foi pela projeção que o monumento daria a ele. E a prefeitura colocou a coisa em banho-maria – recordou.

DOIS ANOS DE ESPERA
Dois anos depois, o assunto voltou às manchetes. Foi tema da reportagem “Monumento do Centenário parece que não sai mais”, publicada na edição de 12 de março de 1977 do Jornal de Caxias (foto acima):
“Quando dos preparativos para as comemorações do centenário de Caxias do Sul e da colonização italiana em nosso Estado, o escultor Bruno Segalla, no CTG Rincão da Lealdade, fez uma explanação sobre a maquete do monumento que assinalaria, na maior cidade de colonização italiana no Rio Grande do Sul, a passagem do centenário. Posteriormente, durante os festejos realizados em Nova Milano e que contaram com a presença do presidente Ernesto Geisel, o chefe da Nação esteve também em Caxias do Sul, oportunidade em que, junto ao viaduto da Avenida Júlio de Castilhos, lançou a pedra fundamental do monumento que seria esculpido por Bruno Segalla. Houve, inclusive, a assinatura de um contrato para a execução daquela obra de arte. Mas o tempo foi passando, e o assunto caiu no esquecimento, o que aborreceu o escultor, a tal ponto de ele decidir por um pedido de rescisão de contrato. São passados quase dois anos das festas do centenário, e a ereção do monumento caiu no esquecimento. Se isto acontecer em caráter permanente, ter-se-á de reconhecer, melancolicamente, que o presidente da República foi convidado - e compareceu - a uma solenidade que não passou de um gesto simbólico e nada mais”.


ESCULTURA DE SETE METROS
Conforme recordado por Bruno Segalla Filho, a maquete em gesso apresentada para o Monumento do Centenário da Imigração Italiana, em 1975, acabou sendo recuperada pela família no início dos anos 1980.
– Estava sendo mantida num estúdio de arquitetura privado. Mas a ideia do monumento nunca foi esquecida por ele (Bruno Segalla). Em 1996 ou 1997, com a nova (sede da) Câmara de Vereadores, a ideia foi relançada, mas com um novo motivo, o dos direitos humanos. O projeto era, inclusive, erguê-lo com sete metros de altura.
Bruninho recorda que não havia um contrato para o monumento nesta altura. Mas o pai iniciou a obra por conta:
– Foram feitas partes do monumento em isopor, mas o Bruno veio a falecer em 2001, e acabou não sendo levado a término – recorda.

MÁRIO RAMOS
Responsável pelo projeto da nova sede da Câmara de Vereadores, inaugurada em 22 de novembro de 1996, o arquiteto João Alberto Marchioro era bastante amigo de Bruno Segalla. E recorda da concepção do monumento ao centenário, em 1975, 21 anos antes de a escultura – uma fusão de cinco figuras humanas de mãos dadas – ser o destaque do Espaço Cultural Mário Crosa, junto à rampa.
– A ideia do monumento surgiu a partir da amizade do Bruno Segalla com o prefeito Mario Bernardino Ramos, que renunciou ao mandato em 1975 para assumir a Secretaria de Turismo do Estado. A escultura faz uma referência aos cinco continentes e também à imigração – explica Marchioro.
A versão em bronze exposta no coração da “Casa do Povo” mede 75cm. O molde em gesso original integra o acervo do Instituto Bruno Segalla, assim como a peça original, de 20cm. Já a estrutura que receberia o monumento nos fundos do Parque Cinquentenário (Largo do Correio Riograndense), em 1975, foi suprimida com as reformas e remodelações feitas ao longo dos anos. O destino do conteúdo da urna é desconhecido.

O FILME
A cerimônia de lançamento do Monumento ao Centenário da Imigração Italiana, em 20 de maio de 1975, foi registrada pelo cineasta Nazareno Michelin - a película começa com as cerimônias em Nova Milano e encerra-se com o lançamento da pedra fundamental em Caxias.
O filme é uma das tantas preciosidades que integram o projeto cultural Cidade e Indústria em Foco: preservação e acesso ao acervo audiovisual da Michelin Filmes. Na próxima quinta-feira, dia 17, parte desse conteúdo será exibido no UCS Cinema, com sessão gratuita ao público, a partir das 19h40min.
A saber: o projeto Cidade e Indústria em Foco: preservação e acesso ao acervo audiovisual da Michelin Filmes foi executado pelo Instituto Memória Histórica Cultural (IMHC), da Universidade de Caxias do Sul, e realizado por meio da Secretaria Municipal da Cultura de Caxias do Sul, com recursos da Lei Paulo Gustavo, do Governo Federal.