Parecia que ele estava esperando já há algum tempo que eu, enfim, alçasse os olhos das páginas do livro que lia, sentado no terraço de meu apartamento no final da tarde, e o fitasse, encarapitado que estava no topo do prédio vizinho, onde costuma ficar. Não é de hoje que esse robusto urubu utiliza o alto do edifício em frente como heliporto entre suas atividades aéreas diárias. Pousa ali, asas recolhidas junto ao corpo coberto com a escura plumagem que o caracteriza, a cabeça arqueada como que em uma corcunda, e me fita enquanto recupera o fôlego. Era como se saboreasse o desconforto que sua presença me causava, incapaz que me via de exorcizar o preconceito bobo ancestral que recai sobre a simbologia fúnebre e sinistra injustamente associada a essa ave, tão ave quanto qualquer outra.
Opinião
Marcos Kirst: o bailarino dos ventos
Mal sabe o urubu que, além do espetáculo, me proporciona inesperadas lições de vida que talvez ajudem a me tornar mais humano
Marcos Kirst
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