É difícil lidar com a quantidade de informações a que somos expostos. É difícil lidar com a foto dos trabalhadores mortos no Pará, é difícil lidar com a violência a que somos expostos diariamente. E se é difícil lidar com isso imageticamente, simbolicamente, cronisticamente, atrás de uma tela de computador, imagina como deve ser na pele? Nos ossos?
Esses últimos meses têm sido árduos em termos de exercitar nossa compreensão, porque a narrativa absurda que acompanhamos, aliás, as narrativas que se encontram e se perdem em determinados pontos do enredo, nos fazem empreender um esforço interpretativo gigantesco para crer em alguma coisa afinal.
Leia também
Marcos Kirst: uma abobrinha irrecusável
Gilmar Marcílio: além do céu
Natalia Borges Polesso é a patrona da 33ª Feira do Livro de Caxias do Sul
Ao passo que, precisamos deixar passar um tanto de causos, porque, não sei vocês, mas eu me sinto esmagada, somos questionados o tempo todo, e a vida exige de nos alguma resposta. Eu gostaria de poder me desconectar, me desvincular, me alienar de tudo, mas como? Não é possível manter-se alheio, não é saudável. Se existe um mecanismo para desligarmo-nos, não sei se poderia utilizá-lo sem culpa, sem o horror de fechar os olhos, de dar as costas.
Como pode haver ainda quem não se doe ao diálogo? Como pode haver ainda quem prefira se fechar a uma falsa autossuficiência em termos de compreensão? Toda essa tensão política, social, econômica, todos os confrontos, a violência nossa de cada dia, os pequenos desagrados, os protestos – e dentro da câmara seguem as votações ao som de bombas, de fora temer, de diretas já – tudo nos chega de maneira tão distinta.
Imagino que a blindagem dos que têm poder seja bem diferente do desespero de quem não tem nada, do desespero de quem não vê saída. Às vezes me pego pensando se ainda é possível sonhar com um mundo melhor e quando isso acontece, afugento logo a tristeza. Não que eu fiquei alegre de imediato, mas é preciso fazer alguma coisa, qualquer coisa.
Andamos mesmo encarando um muro. E, sim, na mesma medida que este muro me atravanca, me entristece, eu tenho vontade de escalá-lo, de quebra-lo, de destruí-lo, para ter perspectivas menos limitantes. Mas como? Microações Talvez seja o caso da erosão mesmo, causada pelo tempo e pela ação humana, do microdeslocamento dessas pedras, dessa nuvem de poeira, para que tudo venha abaixo. Mas jamais isso acontecerá enquanto nos pensarmos sozinhos.