Misturar ficção com realidade é uma das especialidades de Ricardo Lísias, um dos seis conferencistas que, a partir desta segunda, integram a programação do III Seminário Internacional de Língua, Literatura e Processos Culturais (Sillpro), na UCS. Lísias não entrega detalhes de como será a sua apresentação, marcada para esta terça à noite, mas adianta: vai abordar a série de livros em formato digital batizada de Família Tobias, história criada por ele e que acabou levando o escritor a enfrentar a Justiça por falsificação de documento – o material, na verdade, era pura invenção literária de Lísias.
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Misturando o fictício personagem Ricardo Lísias (sim, o próprio nome do autor), vítima de assassinato na trama, e até um falso delegado com direito a perfil inventado pelo autor no Facebook, a obra foi lançada em cinco partes, sob os títulos Delegado Tobias 1 a 5 (lançados pela e-galáxia), e narra a investigação do crime. O escritor agora se diverte com o resultado de toda essa criatividade e experimentação: leitores que imaginavam que Lísias veiculava documentos falsos na obra denunciaram o autor, que teve de enfrentar a Polícia Federal por suposta falsificação e uso de documento público falso, crimes previstos no Código Penal. O processo acabou arquivado.
– Quem avisou que na verdade era literatura foi um jornalista, quando o processo já estava com a Polícia Federal – diverte-se o escritor, sobre a obra ainda disponível na Amazon, iTunes e Google Play.
A aventura não freou os experimentos de Lísias. Na sua obra mais recente (A Vista Particular, ed. Alfaguara), faz uma mescla de sátira e crítica social ambientada no Rio de Janeiro e batiza alguns personagens com nomes reais, o que causou mais críticas de muita gente.
– Se é personagem de livro, não é verdadeiro – avisa.
O seminário com Ricardo Lísias ocorre nesta terça, às 19h30min, no Bloco E da UCS, mas é preciso se inscrever para assistir. Hoje é o último dia para acessar o site do evento e garantir uma vaga (veja quadro abaixo). Além de Lísias, completam o time de conferencistas os brasileiros João Almino, Veronica Stigger e Jacques Fux, a alemã Susanne Klengel e Ulises Juárez Polanco, da Nicarágua. A programação se estende até quarta-feira.
A seguir, confira algumas ideias de Lísias sobre literatura e aguce a curiosidade para saber mais.
Pioneiro: O que o público pode esperar da sua fala aqui em Caxias?
Lísias: Primeiro, vou dar um curso de dois dias sobre literatura contemporânea a partir da década de 1980. A ideia é discutir algumas questões da literatura relacionadas a alguns movimentos da sociedade, como a literatura dialogou com a redemocratização... Depois, vou falar sobre a Família Tobias. Não posso falar como vai ser, será surpresa. Eu já apresentei essa fala na Unicamp, PUC, Unesp e na Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), e nos quatro lugares ocorreram coisas muito distintas, vamos esperar para ver.
Então a apresentação dialoga com o que ocorreu com a obra, o perfil falso do delegado no Facebook, as denúncias de falsificação, o problema com a Justiça?
É justamente essa a ideia. Eu montei a apresentação depois dos problemas com a Justiça, incluindo o processo todo.
Para onde vai a literatura contemporânea? O caminho é mesmo explorar e-books e redes sociais?
O uso do e-book oferece, no mínimo, uma nova possibilidade de experimentação. Uma literatura de discussão dessas questões tem um novo fôlego, o que significa que a literatura convencional não vai deixar de ser praticada. Sempre existiu o convívio do experimentalismo com o convencionalismo. Então o convencionalismo tem de observar o que o experimentalismo está mostrando. Se o artista está interessado em algo diferente, experimental, esse (e-book/ internet) é um dos campos mais produtivos.
Como se deu todo o processo de criação e desfecho da Família Tobias?
O que teve de novo, pelo que meu advogado pesquisou, é que pela primeira vez a Justiça não percebeu que era ficção. Quem avisou que na verdade era literatura foi um jornalista, quando o processo já estava com a Polícia Federal. Isso foi o mais diferente (risos). A ideia era fazer um experimento sobre boatos, fofocas. A editora deu todo o suporte. Ficou um pouco comprovado que hoje em dia as pessoas constituem os seus sentidos, mesmo no sentido artístico, a partir de boataria, sem muito compromisso com interpretação dela mesma. Uma coisa que é muito forte hoje, e não é de um leitor despreparado, é que não é ele quem constrói o sentido, ele fica buscando o real. Sei lá, o nosso mundo é um extrato do real. A pessoa vai procurar numa obra de arte resquícios do que ela conhece como real. No meu caso, como não tinha nada de real, as pessoas construíram seu próprio real através das fofocas que eu mesmo criava, eu respondendo no Facebook como se fosse o delegado, e as pessoas constituindo essa figura como uma personagem que existia, elas acreditaram em tudo.
Essa sua experiência deu certo?
Foi extremamente bem sucedida, o que é uma pena. As pessoas se recusam a construir um sentido por elas mesmas. Elas vão atrás, nem que seja uma criação.
Então como lidar com essa linha tão tênue entre o que é real e o que é mera fantasia na literatura?
O que precisa acabar, muito embora não acabe, é que as pessoas precisam parar de acreditar que a literatura representa a realidade. O público das artes plásticas já entendeu isso. A crítica literária ainda não, e eu não compreendo o porquê, não sei qual a razão disso. Sobre o livro que acabei de lançar (A Vista Particular, editora Alfaguara), já respondi a uma média de 20 entrevistas. Todas elas, com exceção de uma pessoa, perguntaram por que eu uso nomes de pessoas reais no livro. Essa pergunta está na natureza da questão. Ela é uma contradição em si. Se é personagem de livro, não é verdadeiro. Deveria eu então mudar o nome porque a pessoa fez identificação imediata? Se eu mudar, eu diminuo a carga de intervenção que o livro tem. Isso no Brasil. Um jornalista me disse que na tradição brasileira se muda (os nomes), e eu queria entender o porquê. Tá aí, as pessoas estão escravas do real, do que veem na TV, e eu não vejo saída para isso.
De que forma o caso da Família Tobias contribui para um debate sobre os limites da literatura – se é que existem limites?
É a discussão que eu tentei instaurar. Eu sou ficcionista, estou fazendo arte, não tenho de explicar o porquê. As pessoas reais não são ofendidas. Se eu mudasse (nomes de personagens nas obras), estaria me entregando a isso tudo.
Programe-se
:: O Sillpro ocorre desta segunda até quarta-feira nos blocos L, H e E da UCS.
:: Esta segunda é o último dia para garantir a inscrição e acompanhar como ouvinte. Para participar, acesse www.ucs.br/site/eventos/iii-sillpro e clique em inscrições. Não há mais vagas para apresentação de trabalhos.
:: Os valores são os seguintes: alunos de pós-graduação stricto sensu sem comunicação inscrita: R$ 100. Alunos de graduação e de pós-graduação lato sensu sem trabalho inscrito: R$ 40. Outros participantes sem trabalho inscrito (não é necessário ser aluno da UCS): R$ 110z
:: A programação completa está no site do programa.
Entrevista
Escritor Ricardo Lísias realiza conferência em Caxias nesta terça na UCS
Ele participa III Seminário Internacional de Língua, Literatura e Processos Culturais (Sillpro)
Cristiane Barcelos
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