O catarinense Cristovão Tezza, 62 anos, é a principal atração deste final de semana - quiçá, de toda a programação - da Feira do Livro de Caxias. Conversará o público no sábado, às 19h, no auditório instalado na Praça Dante Alighieri, falando sobre a atividade do escritor.
A trajetória de quase 40 anos na literatura e a conquista de prêmios importantes na área já o permitem viver dos livros. Embora tenha se tornado conhecido nacionalmente com publicações dos anos 1980 e 1990 (como Trapo, Juliano Pavollini ou Uma Noite em Curitiba) e, mais tarde, O Fotógrafo (2004), finalista do Prêmio Jabuti, foi o superpremiado O Filho Eterno (2007) que marcou definitivamente o ingresso exclusivo no mundo da literatura.
Confira a entrevista concedida por email.
Como a ascensão de uma nova classe média tem impactado na produção e consumo do mercado cultural?
Em muitos aspectos. O aumento da classe média e todo o processo de urbanização brasileira que se seguiu ao Plano Cruzado nos anos 1990, e mais a variável inesperada da internet, modificaram radicalmente o perfil do consumo cultural brasileiro. No caso do livro, houve simultaneamente dois movimentos - um aumento significativo da base de leitores e, ao mesmo tempo, uma mudança do perfil do comércio dos livros. É um processo de transformação que estamos vivendo agora e cujas consequências ainda não podem ser perfeitamente mapeadas.
Qual é a sensação de gozar de um status reservado a poucos escritores brasileiros, de fazer leitores entrarem numa livraria em busca de uma obra sua?
É engraçado, porque nas minhas primeiras publicações meu maior sonho era justamente eu mesmo entrar numa livraria e encontrar meu livro lá, o que era um fato raríssimo
Mas, mesmo assim, a distribuição e a venda de livros no país ainda é bastante precária, até pelo desaparecimento da antiga "livraria de estoque". Hoje, a grande livraria é a internet, mas ela depende de um leitor que já sabe o que quer, que já tenha uma formação.
Como tem sido a vida/produção depois de O Filho Eterno?
Minha vida mudou radicalmente desde que me demiti da Universidade Federal do Paraná, onde era professor (faltavam ainda 10 anos para a aposentadoria
), e passei a viver do livro e seus derivados, por assim dizer. Foi uma escolha certa que eu fiz. Vivo ciclos alternados - em um ano viajo pouco, para escrever, e no seguinte viajo bastante, para divulgar o trabalho. Neste ano, desde o lançamento de O Professor, me transformei num verdadeiro escritor-viajante. Praticamente toda semana participo de um evento. Mas ano que vem pretendo dar uma parada para tocar meu novo romance.
E, depois de tantas premiações, como é voltar a ser indicado ao Jabuti, especialmente para um romancista ser reconhecido também pela escrita curta?
O Jabuti é um prêmio especial, o único prêmio realmente popular da literatura brasileira, já com mais de 50 anos de história. Ser indicado pelo Jabuti é sempre muito bom para quem escreve, repercute bastante. Ter o livro de crônicas incluído na lista dos 10 finalistas foi uma surpresa para mim, já que sou um cronista tardio. Comecei a escrever crônicas depois dos 50 anos; é um gênero novo para mim. Fiquei feliz com a indicação.
Como ex-professor universitário, como observa o acesso e o ensino superior no Brasil?
A universidade brasileira pública e o ensino superior em geral estão vivendo uma crise imensa no país. É um sistema gigante, burocratizado, com péssima relação de custo e benefício e que precisa ser urgentemente repensado para dar conta das novas realidades sociais do Brasil. A grande rede das federais se fortaleceu como contestação à ditadura militar, e teve um importante papel civilizador no período; mas, hoje, se transformou numa corporação imutável, numa máquina emperrada que em grande parte só consegue se preocupar com a própria manutenção. Tenho esperança de que ela se transforme, porque sem universidade realmente de qualidade o país estará perdido. De qualquer forma, a grande falência do ensino brasileiro está mesmo no ensino médio, que é buraco negro por onde, pela evasão escolar, escapa a formação de milhões de brasileiros.
O Professor fala sobre a velhice e uma leitura sobre o Brasil. Tal qual o protagonista, já dá para o senhor fazer um balanço de tudo o que viveu até aqui?
Não, não dá - essa é a vantagem da literatura. Você consegue fazer um recorte do personagem, "saber" mais do que ele, ter o controle do passado, presente e futuro. Mas isso não podemos fazer com a própria vida. Só depois da morte a vida ganha um "sentido", e só para quem está de fora - como nas memórias póstumas de Brás Cubas...
Sua escrita é um processo contínuo? Já está produzindo o novo trabalho ou há um intervalo necessário entre o lançamento de uma obra e a escrita de outra?
Sim, faz uns 40 anos que vivo sob a pressão da literatura, um livro atrás do outro. Mas o ato físico de "escrever" é só uma parte do processo. Na verdade, quem escreve pensa o tempo todo em literatura. No momento, por exemplo, comecei a escrever um novo romance, mas ainda timidamente. Sei que só vou tocá-lo "de empreitada" no ano que vem. Mas, ao mesmo tempo, já vou pensando num futuro romance, uma ideia vaga que vai tomando corpo.
Como anda a relação da literatura com a realidade?
Se você se refere à literatura brasileira, eu diria que está havendo um mergulho de retorno à nossa realidade, nas mãos de uma nova geração pós-internet. Nos anos 1970, houve uma "implosão" da nossa prosa realista, de sabor clássico, em favor de uma perspectiva formalizante, pós-moderna, que era a moda do tempo. Ao mesmo tempo, a literatura brasileira, por várias razões, acabou se refugiando na universidade. Era o tempo do "professor-escritor" - eu fui um deles, por exemplo. De certo modo, a realidade se divorciou da literatura por um bom tempo. A virada do ano 2000 e o advento de uma nova geração de escritores estão mudando esse perfil. Escrevi sobre esse processo em O espírito da prosa, que é minha autobigrafia literária.
O que está lendo e que livro (de outro autor) gostaria de ter escrito?
Estou lendo muita coisa ao mesmo tempo, principalmente ensaios - Como o futebol explica o mundo, de Franklin Foer, que é muito bom, e O peso da responsabilidade, do historiador Tonu Judt, sobre algumas presenças importantes do pensamento do século 20, como Albert Camus e Raymond Aron. Um livro que eu gostaria de ter escrito? A breve novela A pane, do suíço Friedrich Durrenmatt, que considero perfeita.
PROGRAME-SE
:: O que: bate-papo com o escritor Cristovão Tezza
:: Quando: amanhã, às 19h
:: Onde: auditório da Feira do Livro
:: Quanto: entrada gratuita
Literatura
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