Eu deveria falar de como a Maísa, aquela menina prodígio do SBT que cresceu, tem mandado bem nos posicionamentos para fugir do machismo alheio. Ou sobre como podemos ser complacentes em algumas situações, tentando relativizar ou justificar o machismo ou a violência. De como precisamos, desde a adolescência, aguentar pseudo brincadeirinhas, tomá-las como elogios quando são, na verdade, uma afronta. Como precisamos nos impor e nos desconstruir o tempo todo, de como esse processo é difícil. De como ficamos sujeitas aos julgamentos alheios – se casou, se separou, se decidiu ser mãe ou não ter filhos, se quer sair por aí pegando geral ou se adora o amor romântico e monogâmico, se trabalha muito e deixa os filhos na escolinha, se deixa de trabalhar para ficar com os filhos. Sempre tem alguém pra emitir uma opinião, quase sempre infeliz. Feminismo pra quê, né?
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Poderia falar, também, de como a semana do orgulho LGBT possibilita que a gente perceba uma série de manifestações lindas e como ainda pode ser desafiador fazer declarações de amor, como se a expressão do sentimento fosse uma afronta para alguém. Sou hétero, gosto de homens, mas ninguém fica me perguntando sobre isso ou questionando ou julgando essa (especificamente essa) minha orientação. Como se fosse necessário lutar para ser o que se é. Dá o maior orgulho ver tantos amigos acreditando no amor, na causa. E uma revolta em perceber que a ficha da igualdade ainda não caiu para muita gente. Infelizmente, não dá pra exigir bom senso das pessoas. Mas como seria bom, né?
Poderia falar de como a casa ficou com uma sensação de vazio desde que a Lilica se foi, e de que a ideia da presença dela por 16 anos não esteja sendo suficiente para minimizar a dor da ausência. Perder quem se gosta tem disso: sempre achamos o tempo curto e o acontecimento doloroso demais. Não nos preparamos para o óbvio – e tem como? Ao menos surge a clareza de que as lembranças nos alimentam e de como somos nós que fazemos os que se foram viver. E como só as doenças incuráveis e a morte não têm solução – para todo o resto, com humildade, amor e boa vontade, tudo pode ser resolvido a seu tempo.
Mas quero falar, essencialmente, de como ao longo dos dias encontramos pessoas incríveis pelo caminho, que colocam nossos pés no chão e, ao mesmo tempo, nos dão asas, nos carregam no colo, nos olham nos olhos, que se importam e nos acolhem. De como, apesar das dificuldades e das (pequenas ou grandes) batalhas diárias que enfrentamos, há sempre uma saída para quem conseguiu construir pontes e laços ao longo de sua passagem por aqui. São essas pessoas que nos mostram a força do amor – seja lá de que forma ele venha até nossas vidas. Agradeçamos, pois.