De repente, estava ali, olhando para todos aqueles pares de sapato. Eram 143, me dei o trabalho de contá-los. Não que fosse a primeira vez, mas havia algum tempo que não me detinha neles. Lindos, organizados, separados por modelos e possíveis ocasiões de uso. Estavam assim, na verdade. Foi a última vez que os vi daquela maneira, a última vez que eles estiveram juntos naquele closet.
Num final de tarde qualquer, comecei a encaixotá-los, um por um. Havia uma espécie de cuidado inconsciente na ação, acho que por causa da minha fascinação por sapatos e pela minha dificuldade de encontrá-los, já que calço 33. À medida que os separava, fui ligando-os às ocasiões em que haviam sido usados: aquele scarpin azul usei no casamento da minha irmã. Dancei muito, voltei para casa de madrugada e não precisei tirá-lo do pé. Coisa boa. A bota de oncinha super fofa, de gosto duvidoso para alguns, desperta um lado perua que eu nem tenho, mas às vezes gosto de fingir que sim. A bota de chuva de bolinhas rosa, com um quê lúdico, traz certa graça aos dias mais cinzas. Adoro dar cor à vida.
Os poucos tênis no armário lembram-me que a vida não pode ser sedentária. Ok, ao menos já voltei aos treinos funcionais, mas não preciso ostentar um modelito mais hype. Ufa. As sandálias me fazem lembrar como sofro nos dias de calor, e os chinelos de como esse mesmo calor pode ser uma delícia quando estou em férias.Aqueles saltos altos todos, de cores e modelos tão diferentes entre si, que costumo brincar que são extensões do meu calcanhar, foram surgindo e desaparecendo, sendo misturados em caixas, deixando aquela lógica pré-estabelecida de lado. Nem havia mais por que dar importância àquela organização, já que o resto todo estava sendo bagunçado. Uma baguncinha temporária, é bem verdade – quem nunca se utilizou desse recurso para tentar recompor-se em meio ao caos?
Foi aí que percebi que a organização não faria mesmo diferença naquele instante. Meus braços receberam esse sinal do cérebro e foram aumentando o ritmo no desmanche das peças nas prateleiras, buscando e jogando pares não tão perfeitos, com duplas desfeitas ao longo do processo, que voltariam a encontrar seu par somente quando saíssem daquele lugar. Felizmente, os sapatos todos não se perderam. Nem eles, nem eu. Alguns, no entanto, ainda estão guardados – não mais esperando uma ocasião especial, apenas um lugar onde possam repousar. Não sabia qual deles iria me acompanhar nesses primeiros dias fora daquele espaço, mas existia uma única certeza ao retirá-los do closet: eu seguiria caminhando, cheia de expectativa das histórias que estão por vir.