A vida só tem graça (ou mais graça) a partir de uma contemplação profunda do cotidiano - convido quem duvida disso a observar o ensaio da contracapa desta edição, fotografado pelo ótimo Roni Rigon. As casas antigas do interior de Caxias são um exemplo emblemático. Elas estão lá há pelo menos uma centena de anos e revelam (ou escondem) uma beleza repleta de histórias de seus antigos/atuais ocupantes, mas, sem um mínimo de dedicação, elas passam batidas pelos nossos olhos.
As pessoas também são assim. Muitas vezes passam tão apressadamente por nós, que não conseguem deixar nada, uma marquinha sequer na gente - culpa delas ou nossa?
Por outro lado, quando menos se espera, aparece alguém para inverter a lógica da pressa da hipermodernidade, com vontade de nos olhar nos olhos e estender a mão, de forma abnegada. Precisamos, no entanto, estar receptivos, contemplativos.
Por sorte (minha, é fato), o jornalismo potencializa esses encontros, possivelmente por causa da obrigatoriedade de interação, e as surpresas acabam se tornando a melhor parte do exercício da profissão. É impossível não se comover com alguém que abre a casa, a vida, o baú de memórias para contá-la a uma desconhecida, só por saber que servirá de interlocutora com o mundo. Com o passar dos anos, dá para aprimorar a noção de como isso é sublime e mágico.
Dia desses, fui ciceroneada por uma estranha que, de tão próxima e gentil, parecia ter entrado definitivamente na minha vida - e foram apenas alguns minutos, todos em tempo presente, outra raridade contemporânea. Sim, é comum estarmos juntos sem, de fato, estarmos conectados - qualquer gadget nos separa da reciprocidade dos relacionamentos. Possivelmente, não voltarei a vê-la tão brevemente, mas a qualidade da interação serviu para confirmar algumas das minhas crenças pessoais, de que, felizmente, não dá para perder a fé na humanidade, de precisamos acreditar nas possibilidades de troca e que um olhar apurado - como o do Roni - pode mudar o astral do dia ou de toda uma vida.
Opinião
Tríssia Ordovás Sartori: quando menos se espera, aparece alguém para inverter a lógica da pressa da hipermodernidade
A vida só tem graça (ou mais graça) a partir de uma contemplação profunda do cotidiano
Tríssia Ordovás Sartori
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