A vida real brinca de amarelinha com a gente todo dia, concorda? Par e ímpar, do céu ao inferno. Enfim, um universo dúbio, binário.. Não é nada fácil ser gente grande. Andamos na corda mais que bamba do existir e tentamos com forças mil não cair, mas caímos. Ora, pequenas quedas, ora, o supapo é imenso e não nos resta mais que feridas pungentes. No entanto, ainda e sempre, como um bem ou mal do ser humano, seguimos, terráqueos, avistando o céu.
Coisa louca é imaginar que uma brincadeira de infância, que eu jogava diariamente, me traria tanto sentir. De fato, vamos do inferno ao céu e ao contrário, pisando pé ante pé, pulando, driblando obstáculos, tentando fazer com que a sorte nos presenteie com uma mínima chance de seguir.
A vida, em suma, é brincadeira de criança. Sempre foi! Hoje, depois de anos de terapia e autoanálise, concluo que nada do que sinto/vivo foi concebido ontem. Sumariamente, tudo foi herdado ou trazido da infância. As alegrias, as dores, os traumas.
Sabe, levei Pilar no parque, lá tem aqueles cercados de areia onde brotam as diversões. Enquanto a observava brincar, percebi um movimento majestoso. Ao que entendi, ela construía algo, um castelo talvez. Para isso, carregava, com suas mínimas mãos, areia de um lado ao outro. Lá, de onde ela tirava, tinha areia úmida, necessária à construção. Mas, o impressionante era que, o caminho até descarregar, na corrida,quase toda areia se perdia. Ela insistia, buscava novamente.
Para nós, adultos, parece tempo desperdiçado, já que o esforço não corresponde em intensidade aos resultados, mas para ela foi um trabalho muito do bem remunerado. Eu vi minha filha curtindo o processo e sorri. Foi minha única reação.
Fiquei feliz por ela, tão jovem, conseguir dar valor ao seu trabalho. Não a questionei quanto à sua estratégia, afinal, ela só tem cinco anos, mas a vi feliz em ver que aquilo a que se dedicava tinha uma função, um propósito.
Demorei uma vida de 36 anos e meio para conseguir dar valor aos meus processos. Mesmo quando são confusos e caóticos, mesmo quando têm mais oscilações que tornados marítimos, ou, mesmo que sejam mais assertivos que um tiro de arma de fogo.
Todo dia envelheço, todo dia me despedaço - físico e emocionalmente -, e continuo aqui. Aqui, com menos tônus, muito menos energia, mas com uma vontade infinita de vencer. Tenho entendido com os dias que a gente vai vencendo é aos pouquinhos, como a areia que escoava da mãozinha da minha cria enquanto ela corria.
É minuto a minuto que vamos superando as dores pessoais, a realidade socioeconômica, a inexistência política e as agruras que nunca plantamos. A gente vai indo, engolindo o choro, racionalizando os sonhos e trazendo flores aos jardins infrutíferos da existência.
E, nisso, como consequência, vamos nos tornando cada vez mais humanos, pulando dia após dia, da terra aos céus, implorando para que o inferno nunca nos encontre.