A poetiza mergulha, ela sabe nadar, gosta do profundo. A cronista teme as águas, olha de longe e em tu vê perigo. Ambas moram dentro de mim, ambas estão certas em seu modo de existir e dividem espaço sob minha pele. Uma se lança e, afobada, sofre. A outra se retém, avaliando que não morre hoje e, com sorte, nem amanhã. A primeira, vive e paga, a segunda, nem sabe o que é viver.
Cada um de nós, carrega dentro de si uma multidão. Gritos de socorro se misturam a berros de prazer, e, indefinidamente, seguimos. Sem discernir qual lado merece atenção, caminhamos. A estrada é tortuosa, confusa, mas não há alternativa, vamos indo.
A gente vai pela vida quase sempre de forma fatalista. Não falo aqui do fim que não tem volta, coisa de desencarnação. Falo do nosso vício em jogar todo o conjunto de nossa existência no abismo, sabendo que o fundo é só fundo e a queda nada mais que um grande estabacar no solo duro.
Eu sei, é preciso se entregar à vida plenamente, mas, também, estou ciente que viver não é e nem pode ser esse emaranhado confuso de morte e ressurreição cotidiana. Temos ido acreditando em ilusões mil e nos entregando, sem ter o mínimo autocuidado e autorresponsabilidade, até estarmos adoecidos.
Me pego crendo que o melhor pra nós é o tal caminho do meio. Nem tão ao céu, nem tão ao inferno, alguém disse certa vez. Concordo e vejo nessa perspectiva, saúde. Há que se viver, depois do viver, ora pois. Há que se pagar os boletos e acordar cedo pra manter os compromissos e fazer-se saudável.
Amores vêm, amores se foram, tudo bem, o mundo não acabou, ninguém morreu por isso. Estar apaixonado é benesse do tempo, não é dor. E, se dor for, daí amor não é.
Pareço estar aqui falando superficialmente da profundidade, mas, na verdade, é o contrário. Falo profundamente do modo superficial que fomos ensinados a viver. Acho que já chega de seguirmos modelos que não criamos e tentarmos a felicidade onde nem ao menos é possível vê-la.
Felicidade é um bicho bobo que não precisa ser caçado, está aí pra quem tem olhos. Ela senta do outro lado da mesa todo dia de manhã no primeiro café e te acompanha no vinho com seus amigos mais chegados à noite. E, ela sempre se deita com você e sua cria pra dormir, sabia?
Temos dificultado o fácil pois foi assim que aprendemos a fazer. Vamos amando o díficil pois foi assim que nos venderam o amor. Afirmo agora: eu quero o fácil e quero poder viver o descanso; almejo amar alguém em serenidade, conforto e segurança; e, sobretudo, vou me permitir à existente cadência do samba roda, eu vou girar de olhos fechados e sucumbir à minha vontade de alegria.
O que está dentro de nós é o que nos faz base pra ir além, é o que invade o outro e nos faz válidos viventes. O profundo vale muito a pena, mas, também, sufoca com a intensidade.
O superficial está sempre dito. É leve e não entrega certeza: o que não é um sim, é sempre um não. Se o mundo é oceano e a gente é mar abissal, caso encontre alguém riacho, nem se dê ao trabalho de molhar os pés. Mas, a paisagem é bonita, aprecie.