Casou de eu assistir em sequência, no período carnavalesco, dois filmes com temáticas piscianas na Netflix. Assim como o Carnaval é uma festa de entrega e fantasia tudo a ver com o a dissolução de Peixes, também um filme é um produto artístico feito para criar empatia e nos arrebatar. E eis que os conteúdos dos dois filmes a que me refiro também ecoam temas do signo por onde agora transita o Sol. São eles: Um Dia Feliz na Vizinhança, ficção baseada em fatos reais, e Missão: Alegria em Tempos Difíceis, documentário sobre um encontro dos líderes espirituais Desmond Tutu e Dalai Lama. São filmes sobre compaixão e bondade, filmes sobre Peixes.
Um Dia Feliz na Vizinhança se desenvolve a partir da relação entre um jornalista carrancudo e um melífluo apresentador de programa infantil. Este, encarnado por Tom Hanks, era Fred Rogers, que comandou um programa dedicado aos pequenos na televisão americana por mais de 30 anos. O filme é apresentado como se fosse um episódio do programa de Rogers, entre cenários coloridos, teatro de bonecos, músicas e lições de vida. Além de pedagogo e multiartista, Rogers era também ministro da Igreja Presbiteriana. Seu maior talento, contudo, era a enorme sensibilidade na lida com as crianças. Tanta doçura e beatitude contrastam com o humor azedo do jornalista enviado a contragosto para entrevistá-lo, e isso dá o conflito do roteiro, mas o encanto maior da história é mesmo a personalidade incrível de Rogers.
Protegido pela estética açucarada emulada do programa em questão, o filme não tem pudores em provocar emoções. A gente ri e também chora, enquanto se surpreende com a grandeza humana do apresentador. Pela forma intensa com que vai sendo tocado, o jornalista percebe: Rogers não era um personagem, mas um ser humano que optou por dedicar-se aos outros e a fazer do cuidado sua ferramenta de ação. Reconheci nele a melhor expressão de Peixes e, mal o filme acabou, fui pesquisar sobre o artista, morto em 2003. Sim, era um pisciano daqueles, com o Sol, Lua, Mercúrio e Vênus no signo da entrega e da espiritualidade. Perdoar a quem nos feriu, perdoar a nós mesmos: pode haver tema mais inspirador nestes tempos de divisões pelo ódio?
O outro filme, Missão: Alegria em Tempos Difíceis, também destaca a compaixão como qualidade fundamental para a construção de uma humanidade mais justa. Por envolver líderes de distintas tradições religiosas, o cristianismo de Desmond Tutu e o budismo do Dalai Lama, a narrativa documental poderia ser meramente explicativa do que diferencia os dois líderes em suas práticas. Mas não. É mais sobre o encontro de dois amigos que se respeitam e que se reconhecem não na condição de ilustres ganhadores do Prêmio Nobel da Paz, mas em suas humanidades mais simples. São como dois meninos, rindo o tempo todo, fazendo gaiatices um com o outro, desfrutando do presente e da arte do encontro.
O arcebispo Desmond Tutu, morto em 2021, transcendeu sua função religiosa para tornar-se um destacado ativista contra o violento apartheid na África do Sul. O Dalai Lama, fugitivo do Tibet desde 1959, após a invasão chinesa, fez do exílio um caminho de divulgação da paz e a da tolerância. Ambos tinham tudo para se definir somente por suas duras histórias de fundo político. Mas resolveram deixar a alma compassiva na frente e espalhar a alegria, apesar do sofrimento.
Peixes é isso, essa alma escancarada, aberta à compreensão. E faz um bem danado ver a arte do cinema a nos inspirar com modelos de perdão, amor e bondade.