
Espiando o fino aro luminoso da Lua nova, penso no papel único desse astro em nosso imaginário. Talvez a Lua, lume soberano nas noites escuras dos tempos primitivos, seja a mãe de todas as histórias, desde aquelas contadas em família ao pé do fogo às nossas próprias memórias. Regente do signo de Câncer, a Lua astrológica se associa a isso mesmo: mãe e vínculo afetivo, casa e nutrição, memória e ancestralidade. É o feminino primordial em nós, nossa âncora para existir. Falando em histórias, João e Maria, um dos mais conhecidos contos de fadas, aborda temas lunares e pode ser lido como uma jornada de cura do feminino.
Nesse conto, a Lua é quase um personagem. É o luar que ilumina as pedrinhas que guiaram João e Maria de volta para casa, na primeira parte do conto. Depois, as crianças passam quatro semanas – um ciclo lunar completo – na casa da bruxa. Há três personagens femininos na história: a menina Maria, a mãe e a velha bruxa. São três faces da vida humana – infância, idade adulta e velhice – desde há muito associadas às fases crescente, cheia e minguante da Lua. Na mitologia grega, por exemplo, a Lua representava uma deusa tríplice: a donzela Ártemis, na fase crescente, Hera ou Selene, na fase cheia, e a subterrânea anciã Hécate, na minguante.
Em João e Maria, a bruxa, como imagem de um feminino sombrio e devorador, é a negação da expressão nutridora da Lua, que deveria ser manifestada pela mãe. No entanto – e aqui surge o aspecto mais chocante do conto –, essa mãe soa desnaturada ao expulsar os filhos de casa por causa da fome. Por isso, a bruxa representa outra face dessa mãe escura. Numa típica jornada curativa desse feminino adoecido, caberá à inicialmente medrosa Maria fazer a redenção. E é ela quem salva o irmão da morte, queimando a bruxa num forno. Quando voltam para casa, com pedras preciosas nos bolsos, a mãe má também havia morrido.
Esse conto foi um dos tantos recolhidos do folclore alemão pelos irmãos Jacob e Wilhelm Grimm, há mais de 200 anos. Na primeira versão da coletânea, publicada em 1812, João e Maria (Hansel e Gretel no original) mostrava a mãe biológica como malvada. Em edições posteriores, dado o enorme sucesso dessas histórias entre o público infantil, essa mãe má virou madrasta. Afinal, seria inconcebível para os pequenos uma mãe biológica egoísta que abandonasse os próprios filhos numa floresta.
Muitos outros contos recolhidos pelos Irmãos Grimm da cultura oral e rural foram “suavizados” para o grande público. É o caso também da história de Rapunzel, em cuja versão original a bruxa descobria as visitas clandestinas do príncipe à torre pela gravidez da moça de longas tranças. Esse trecho terminou cortado – não ficaria nada bem para a moral social uma
gravidez antes do casamento. Censuras à parte, os contos populares revelam temas humanos arquetípicos, sejam estes claros ou sombrios. A Lua, como indicadora de múltiplas imagens da alma, também se associa a nossas emoções arcaicas e instintivas. Homens virando lobisomens ao ritmo do luar atestam isso.
Ainda bem que cada renovar da Lua, com seu aro luminoso crescente, como nesses dias, evoca em nós a capacidade de curar nossos próprios monstros. Citando o escritor G. K. Chesterton, contos de fadas são verdade, não porque nos contam que dragões existem, mas porque nos contam que eles podem ser derrotados. Maria fez isso no conto de fadas. Assim como projetamos na Lua São Jorge sempre a vencer o dragão