Céu de Peixes. Até findar o ano astrológico, dia 20 de março, e outro ciclo se iniciar, vem de Peixes a simbologia do que se enreda nas águas da dissolução e da compaixão. É a máxima experiência do que é coletivo, do que escapa ao controle dos egos, do que é pura entrega. Peixes é plural, cardume reunido num projeto de ser sempre evasivo, sempre a escapar. Peixes é o sentimento do mundo, difícil de explicar, mas acessível em imagens aos sonhadores, visionários, artistas, curadores e loucos. Tudo pode ser. “O mundo é talvez: e é só. / Talvez nem seja talvez”, escreveu o poeta Drummond. Precisamos olhar com mais atenção para essa energia.
No zodíaco, Peixes é o fim do caminho iniciado em Áries. É o fim da picada da canção, a das águas de março que fecham o verão. É a garrafa de cana, o estilhaço na estrada: delírio e fragmento – ou fragmento delirante que vê em si mesmo o todo, porque sente tudo de todas as maneiras. Com a vista enevoada, Peixes borra os limites, e o mundo fica difuso, mesclando realidade e imaginação, fato e ficção, pecado e perdão. Peixes é signo duplo mais que duplo: é múltiplo. É qualquer coisa dentro doida a mexer. É a maravilha da compreensão e o desatino do fanatismo.
Em abril próximo, se dará no céu de Peixes um dos mais importantes eventos astrológicos de 2022: o encontro entre Júpiter e Netuno. Ambos são regentes do signo, onde se encontraram pela última vez em 1856. Netuno em Peixes a tudo relativiza, e há uma importante função nisso, mas Júpiter costuma inflar o que toca, gerando desmedidas e euforias. Se a dita conjunção amplia nossa sensibilidade emocional, principalmente a compaixão, também predispõe a delírios e mistificações.
Sincronicamente, em 1856, com o mundo tomado pelas correntezas do romantismo e com a fotografia reinventando o real, nascia Sigmund Freud, o cientista taurino que definiria o inconsciente e mudaria o modo de o homem relacionar-se consigo mesmo e com o mundo. Saturno, planeta dos limites, estava em tensão com Júpiter e Netuno. Era a exigência de um foco de realidade e atenção para dosar os mergulhos no mundo dos sonhos e das imagens do inconsciente. Quando Netuno atingiu a posição natal de Saturno, e este, em movimento, se encontrava do lado oposto do céu, em fins de 1899, Freud publicou A Interpretação dos Sonhos. Outra noção de mundo surgia.
Evoco o pai da psicanálise e seu jeito de ser algo saturnino para lembrar que sem referenciais mais pragmáticos e céticos podemos naufragar nas fascinantes ondas netunianas do inconsciente. Repetindo o já dito, sob Netuno a realidade é maquiada pela fantasia ou por perigosos anseios salvacionistas. E com a realidade difusa, surge um terreno fértil a mentiras e manipulações travestidas de visões redentoras. Diante do efeito fermentador de Júpiter, é quando mais precisamos do olhar severo de Saturno. Ainda que um conteúdo nos arrebate e encante, venha de dentro ou de fora, convém analisá-lo friamente e criticamente.
No mapa astrológico do Brasil, Peixes aparece logo na primeira casa, aquela que já esboça uma imagem ao país. Faz tempo que as águas netunianas bagunçam esse projeto de identidade – o planeta entrou em Peixes em 2012. O caos e a demolição de valores estão aí. “É lama, é a lama”, diz a canção. Mas Júpiter também traz alguma esperança, algum otimismo que nos devolva a confiança no futuro. Que Saturno, no ascendente em Aquário, seja o choque de realidade que nos tire da alucinação. Senão, só Freud na causa.