
Na data em que se celebra o Dia Internacional da Mulher, Virgínia Müller faz história ao realizar sua primeira cirurgia robótica para tratamento do câncer de próstata em Caxias do Sul. Marco pessoal e profissional conquistado com anos de dedicação, resiliência e amor pela Urologia – uma especialidade tradicionalmente masculina, mas que, graças a profissionais como ela, se tornou mais diversa e inclusiva.
Natural de Santa Rosa, Virgínia cresceu em um ambiente que valorizava o conhecimento, o esforço e a determinação. Filha de Erani Guilherme Müller (in memoriam) e de Ingrid Mensch, foi incentivada desde cedo a trilhar um caminho de excelência. A escolha pela Medicina surgiu após muita reflexão, em um tempo em que mudar de ideia sobre a profissão não era um luxo acessível a todos.
— Nos anos 1990, a gente não tinha essa flexibilidade que muitos jovens têm hoje. Escolher uma profissão era algo definitivo, não dava para errar. Quando decidi pela Medicina, eu tinha plena consciência do que desejava e do que precisava fazer para chegar lá — conta a profissional formada pela antiga FFFCMPA (atual Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre) com especializações no Brasil e na França, destinos onde ela encontrou na Urologia uma vocação que unia técnica cirúrgica, inovação e um olhar humano sobre a saúde.

Se tornar Urologista foi um desafio por si só. No início dos anos 2000, apenas 1% dos especialistas na área eram mulheres. Hoje, esse número dobrou para 2,2%, e o Rio Grande do Sul ocupa a segunda posição no país em representatividade feminina na especialidade, com 23 profissionais, atrás apenas de São Paulo. Virgínia assistiu a essa transformação acontecer de perto e faz parte dela.
— Na minha residência em Cirurgia Geral, dos 21 residentes, apenas três eram mulheres. Na Urologia, era ainda mais raro. Mas tive o privilégio de contar com mentores que me incentivaram e colegas que acreditaram no meu potencial. Hoje, o cenário já é outro, e ver mais mulheres ocupando esse espaço me enche de orgulho. Desde o terceiro ano de faculdade, eu já acompanhava o Serviço de Urologia da Santa Casa de Porto Alegre e isso foi determinante para minha trajetória — relembra.
A introdução da cirurgia robótica em sua prática foi um objetivo construído ao longo de anos. Seu primeiro contato com essa tecnologia ocorreu durante um fellowship na França em 2005, quando o Brasil ainda engatinhava na laparoscopia urológica. A certificação veio em 2024, na ISCMPA, em um momento em que a Unimed Serra Gaúcha já havia estruturado seu Serviço de Cirurgia Robótica. Para alcançar essa conquista, Virgínia passou por treinamentos intensivos, cirurgias supervisionadas e um processo de aprimoramento contínuo. O dia 8 de março, portanto, é mais do que uma data comemorativa – é a concretização de um sonho que exigiu comprometimento, esforço e, claro, o apoio incondicional de seu marido e parceiro de vida desde os tempos de faculdade, o pneumologista Fabrício Piccoli Fortuna.
— Se o Fabrício não fosse médico, já teria desistido de mim há muito tempo — brinca.
Além de médica, Virgínia é mãe de Valentina e Helena Müller Fortuna, e equilibra sua rotina entre cirurgias, consultas e momentos preciosos em família.
— Ser mãe foi mais um grande desafio. Planejei tudo com cuidado, mas a verdade é que nada nos prepara totalmente. No entanto, aprendi que, antes de tudo, precisamos ser bons seres humanos — reflete.
Ao dedicar essa conquista às suas mentoras – às professoras doutoras Cristine Froemming, Nancy Tamara Denicol e Karin Marise Jaeger Anzolch –, Virgínia reforça a importância da representatividade feminina na Medicina. Como parte do seleto grupo de Urologistas brasileiras que se autodenominam "Orquídeas", ela celebra a força e a delicadeza de quem floresce em um ambiente predominantemente masculino.
— Cada mulher que entra na Urologia abre caminho para as próximas. Nós somos poucas, mas somos fortes. E eu espero que essa nova geração de médicas saiba que o espaço delas está garantido, basta lutar por ele — aconselha.
No Dia Internacional da Mulher, sua trajetória inspira novas gerações a desafiar barreiras e acreditar que talento, dedicação e paixão são as verdadeiras chaves para o sucesso.
Raio-X:
- Gostaria de ter sabido antes... que eu não tenho como mudar o mundo;
- Um aprendizado valioso: valorizar as pequenas coisas do cotidiano;
- Meu lugar preferido é... em meio a natureza com a minha família;
- Livro de cabeceira: Sapiens - Uma Breve História da Humanidade, de Yuval Noah Harari.