Não adianta. Parece que está no nosso DNA. Não basta padecer quando algo ruim acontece. Precisamos antecipar a aflição. Os mais sábios nos dizem: a cada dia a sua agonia; vive o momento; nada pode ser controlado. Difícil colocar isso em prática. Parece ensinamento básico de livro de autoajuda. Mas é bem mais, posto que acabamos experimentando angústias desnecessárias. Até porque, geralmente, o que imaginávamos que pudesse advir revela-se enganoso. Quando uma relação termina, quando sofremos um revés financeiro ou profissional ou uma pessoa que nos é cara morre. Tudo vai seguindo o seu fluxo. Não há um entendimento racional para como esses novos cenários nos afetarão.
Em muitos casos só percebemos esses “encaixes” retrospectivamente. Como se uma engrenagem procurasse outra que se acoplasse a ela. Talvez porque há um chamamento permanente para que cada final ceda seu lugar a outro começo. Muitas vezes bem melhor do que aquele em que estávamos enredados, acreditando ser o único a nos fazer feliz. Tudo isso se assemelha a uma espécie de dança, onde o acaso, o destino ou Deus vão desenvolvendo um roteiro ao qual não temos acesso.
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Acredito que hoje eu registro mais vitórias do que fracassos neste quesito. Isso é o resultado de um constante e vigilante trabalho de auto-observação. Nem sempre foi assim. Como me torturei esticando o fio do tempo! A mente, sempre tão ardilosa, permanecia no comando. Como um escravo dócil, seguia os desvãos do pensamento, deixando de lado o bom senso e o que a experiência me dizia. Não deve ser diferente com a maioria das pessoas.
Falamos em probabilidades e perspectivas, esquecendo que não existe linha reta neste assunto. E talvez nisto resida a beleza da condição humana. Podemos, minimamente, interferir na ordem do que se apresenta diante de nós. Mas devemos sempre considerar a possibilidade de que tudo é especulativo e escorrega facilmente entre os dedos. O monge francês Matthieu Ricard costuma dizer que um dos nossos males é opor-se ao que sucede. Ele preconiza a não resistência, o cultivo da capacidade de entrega, sem gerar qualquer conflito. Talvez seja necessário meditar algumas encarnações para chegar a essa vivência. Pensá-la já sinaliza a vontade de refletir como estamos nos conduzindo diante dos fatos. Tudo pode adquirir contornos inesperados. Que sabemos nós, se não que somos um mistério enredado no mais complexo dos sistemas, o cérebro.
O que virá. Tenho cada vez menos interesse em saber. Minhas especulações costumam ficar circunscritas entre o amanhecer e o anoitecer. Prefiro ser surpreendido, pois ignoro o fim. Todos os fins.