Eu me comovo, com previsível regularidade. Histórias de superação encontram em mim um leitor atento, um ouvinte apaixonado. Pessoas que passaram por terríveis provações e conseguiram dar a elas uma significação maior, sempre devem ser merecedoras de respeito. Mas encontramos quem prefira seguir outro roteiro: converter a dor numa justificativa para o fracasso. No entanto, há os que, imbuídos pelo desejo de extrair grandeza de tudo, aproveitam o momento de fragilidade para agigantar a própria alma.
Fogem das lamentações. Até sua linguagem se torna mais exuberante para que ela não os debilite emocionalmente. Ficam mais vivazes, extorquindo do tempo o que ele tem de melhor. Gosto de estar ao lado desses seres que não reduzem os infortúnios a uma justificativa para a derrota. Então, fico garimpando, aqui e acolá, roteiros de vida que me mostram o quanto é possível suportar as adversidades sem tombar. Porque muitas vezes o que fazemos é sentir pena de nós mesmos, agindo como crianças que optam pelo choro, sem lutar por uma nova significação dos atos. E é impressionante como uma tragédia pode nos impulsionar a viver com mais coragem. Aptos, agora sim, a seguir em frente com os pulmões cheios, certos de que nada nos derrubará.
Lembro do médico americano BJ Miller, respeitado e admirado em seu país. Na adolescência, numa brincadeira entre colegas, foi jogado de encontro a fios de alta tensão. Passou meses no hospital, sentindo dores excruciantes. Perdeu a parte inferior das pernas e a mão esquerda. Não se transformou num ressentido, não aceitou o papel a que parecia destinado. Compreendeu seu erro e refez o itinerário. Hoje dirige um hospital em que se priorizam os tratamentos paliativos para doentes terminais, tentando dar-lhes um final o mais digno possível. Tornou-se um estudioso do zen budismo. Seu rosto bonito e feliz ostenta uma expressão da mais pura serenidade. Não há queixas em suas palavras, mas determinação e vontade de ajudar quem o procura. Por que não pode ser assim também com cada um de nós? Diante deste exemplo, como é difícil crermo-nos generosos. Há que se olhar ao redor: sempre nos deparamos com uma dor maior que a nossa. Precisamos acessar as reservas de perseverança e ir em busca do que nos faz crescer. O caminho mais fácil é o da desistência. Mas é sempre o pior.
Conte-me algo e eu o ouvirei atentamente. Sei que o real costuma ser, amiúde, mais interessante que a ficção. Observe atentamente os personagens com os quais se deparar. Eles são como livros em movimento, páginas que podemos ler a qualquer hora de nosso dia.
Opinião
Gilmar Marcílio: histórias edificantes
Há que se olhar ao redor: sempre nos deparamos com uma dor maior que a nossa
Gilmar Marcílio
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