Devo fazer parte de uma minoria que não reverencia o deus maior do nosso tempo: a ambição. Sempre achei cansativo querer cada vez mais. Porque é assim que se dá: não há um patamar limite até onde almejamos chegar e, depois, pronto: é só usufruir o que foi amealhado. Qual! Somos, sem exceção, mas apenas em graus diferentes, suscetíveis às benesses que o poder nos garante. Por isso é preciso nos proteger contra nós mesmos, num gesto de heroísmo solitário para preservar o que há de melhor dentro de cada um: o espaço individual onde são feitas as verdadeiras escolhas. Quando nosso olhar insiste em capturar as coisas externas, deixa de pôr em prática a mais essencial das tarefas: o aprimoramento. Esse esforço quase além do humano deverá ter como único propósito a lapidação da própria alma. Talvez o mundo também melhore com esse propósito, mas será uma consequência, nunca a causa de se procurar. À maneira de um Montaigne, encerrado em sua torre, estudando incessantemente a si próprio, o homem verdadeiramente consciente de sua tarefa seguirá burilando os seus defeitos. É provável que a morte o surpreenda em meio a essa ou àquela atividade. Porém, não o desanimará, pois sabe secretamente que o que fica inconcluso não perde o seu valor. Terá aprendido que a grandeza sempre está na busca, não no resultado.
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Os homens considerados bem-sucedidos edificam para fora. Suas conquistas precisam ser visíveis, sob risco de não serem apreciadas pelos seus pares. Há que se crer, entretanto, que os movimentos interiores, as pequenas e sutis revoluções, contam bem mais. Mas sem pensar numa possível transcendência, embora não se deva desconsiderar jamais os consolos que a religião pode nos trazer. Qualquer vitória carrega seus ganhos embutidos em si mesmos. É o prazer de se superar, de descobrir que precisamos fertilizar terras para que não se transformem em desertos. Portanto, grandes podem ser aqueles que constroem uma cidade, mas mesmo mérito terá quem se dedicar unicamente a cultivar o seu jardim. O que me faz pensar que talvez não devêssemos excluir totalmente a palavra ambição, mas dar-lhe um significado diverso, mais filosófico, humanístico. E que cada um inicie a sua jornada o mais cedo possível. Pois, além de se confrontar com inúmeros obstáculos, esta será uma trajetória a ser realizada sozinha. Livros ajudam, assim como bons encontros. Mas, essencialmente, ninguém poderá nos estender a mão para atravessar certas pontes.
Será preciso ter paciência, como quem edifica uma casa com cartas de baralho. Deixemos aos fracos de caráter o desejo de dominar os outros.