Na abertura de um dos primeiros filmes do diretor francês Luc Besson, Subway, lê-se estas três frases: Ser é fazer (Sócrates); fazer é ser (Sartre); seja e faça, faça e seja (Sinatra). Vinte e cinco séculos separam a primeira da última. Mas todas dizem, rigorosamente, a mesma coisa. Somos seres de movimento, de ação. A inércia é maléfica para o corpo e a mente. Interferir no mundo, relacionar-se com as pessoas, alterar as paisagens – eis o fundamento do humano. Admiro profundamente os seres que se inclinam à meditação, religiosos de qualquer ordem que abdicam das tarefas mundanas e se recolhem em si mesmos. Em proporções miúdas e intervaladas é isso que eu também faço, para manter a sanidade e restaurar dentro de mim o sentido da palavra sentido. Resisto à ideia que nos eleva à condição de uma raça predestinada, superior. Somos animais autoconscientes, que aspiram ser imortais. Nossa sina é a mesma desse precioso órgão, o coração: não parar nunca de bombear sangue, sob a iminência de aniquilar o organismo que o hospeda. Pense nas pessoas com depressão. Elas estão encapsuladas numa espécie de escafandro que as impele a respirar somente a reserva contida em seus pulmões. Abrir a garganta as assusta. Abrir a porta as assusta. Elegem o sono como um desejado estado de permanência.
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Gosto quando há neblina: o tempo escorre mais lento. Tudo parece estar refreado, existindo sem pressa, numa doçura gentil que nos faz ler poesia, contemplar as belezas que ultrapassam o prático, o útil. Mas não se pode ansiar com constância por isso. Como viver sem o sol, o vento, a força que emana dos dias claros, vertiginosamente azuis? Parecem pequenos grãos de eternidade, como nos disse Paul Valéry. Somos porque fazemos. Ou o contrário, pouco importa. O fato é que o motor que nos arremessa a desenhar uma nova realidade a cada manhã não pode parar nunca. Numa recente entrevista, o médico Drauzio Varella, um maratonista apaixonado há mais de vinte anos, disse que não pode prescindir dessa atividade física sob o risco de adoecer. Extrai de cada corrida um combustível que se transforma em alegria, em disposição para enfrentar o que se apresenta diante dele. De bom e de ruim. Mas contrapõe: acordar todos os dias, de segunda a segunda, às cinco da manhã para correr, é um suplício. Inúmeras vezes ele pensou em desistir, em virar para o lado e trocar o desafio pela comodidade. Só que isso, reforçou, equivaleria a entregar-se, a morrer simbolicamente.
Até aqui tenho sido vencedor neste embate. Quanto menos horas de sono eu preciso, melhor. Poderei agir mais, participar mais. Tenho gratidão pelo meu corpo ainda ser um aliado que me permite longas caminhadas, encharcando-me de cansaço. É isso: quero me encontrar exaurido no meu último dia, com os membros lassos e a alma puída. Gasto.