Li uma breve nota no jornal que me causou estranheza. Tenho tentado não me espantar como em tempos idos, pois estamos à mercê de novidades quase todo dia. Pois bem. Dizia a matéria: Porto Alegre já conta com uma nova especialidade na área da saúde: terapia pélvica. O que será isso, meu Deus? O texto, de poucas linhas, deixava para o leitor deduzir a quase autoexplicativa profissão. Deve ser mais ou menos isso: mulheres com algum problema sexual localizado na área descrita passam a contar com psicólogos (ou algo do gênero) que as ajudam a superar algum trauma de, literalmente, ordem íntima. Até onde iremos? pensei, ainda confuso e desejoso de esclarecimentos maiores. Será que estarei vivo quando chegarem ao mercado de trabalho pessoas dispostas a minimizar nossos traumas pelas unhas encravadas e azia, entre outros? O maior mal causado por isso, creio, está no enfraquecimento da nossa vontade e disposição para encontrar soluções em nós mesmos, quando estamos sofrendo. Busquemos ajuda com quem estuda a fundo a condição humana. Mas tudo isso não deveria ficar restrito ao universo da alma ou, para os mais pragmáticos, das emoções?
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Toda investigação que nos remete ao subjetivo, ao que nem sempre é alcançado pelas palavras, demanda tempo e paciência, mercadorias cada vez mais raras. Muitas vezes queremos apenas eliminar os sintomas, quando se faz necessário olhar com uma lupa as causas que geram o desconforto e a insatisfação. Se começarmos a retalhar simbolicamente o nosso corpo, entregando-o nas mãos de "estudiosos" de áreas cada vez mais restritas, em busca de soluções mágicas, é provável que nos tornemos incapazes de gerir com sabedoria a vida. Daí para nos parecermos com marionetes manipuladas ao bel prazer de alguém, é um pequeno passo. Gosto da disciplina, do esforço, da gravidade que toma conta de nós toda vez que nos defrontamos com algo que nos parece insolúvel. Poucas coisas são, na verdade. Até porque a morte dá conta de tudo. E ninguém é mais habilitado do que eu para resolver os meus problemas e você os seus. Há uma força que caminha conosco existência afora. Sejamos persistentes em buscá-la no reduto secreto da própria consciência.
Ainda ruminando o assunto e com o texto inconcluso, partilho com um amigo o meu desconforto. Relaxe, diz ele, pois isso não é nada. Fiquei sabendo que a moda agora é o... (percebo um leve rubor em seu rosto) rejuvenescimento genital. Dispensemos maiores detalhes, mantendo um mínimo de pudor. Ainda deve existir alguém feliz em ser o que é, sem arremedo de ordem qualquer. Exultemos!