Amanhã, trinta e um de dezembro, será o dia das inevitáveis promessas, dos projetos que, mesmo longe da certeza de sua concretização, irão nortear o próximo ano de cada um. Façamos isso, pois se abdicarmos desses rituais ficará em nós a sensação de vazio, da traição de uma perspectiva que, real ou ilusória, nos ajuda a seguir em frente. Porém, não esqueçamos que esse roteiro de realizações que estão por vir não pode prescindir de um escrutínio minucioso do que aconteceu no período que agora finda. Os fracassos e as vitórias que carregamos sobre nossos ombros nos ajudam a entender melhor as possibilidades que temos à nossa frente. Acreditar em algo é, certamente, abrir caminho para os acontecimentos. É na mente que construímos as bases para que a realidade se vergue aos nossos desejos. A vontade que se extrai para continuar buscando não pode prescindir da coragem em analisar o que fizemos ou o que foi um mero devaneio.
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Costumo ser modesto nas minhas ambições. Quando findam as horas desse emblemático dia, tendo a compará-lo a outros que passaram e procuro o saldo de cada um. Pequenos ganhos adquirem proporções épicas, pois sei que exigiram a mobilização de todas as minhas forças. Ancoro-me mais na gratidão, anulando a angústia do não realizado. O presente esmaga a dor do não dito, do não feito. Balanços são necessários para nos dar a ilusão de que estamos no controle. Nunca estamos, na verdade. À parte isso, parece-me preferível manter a saúde emocional, contentando-me em seguir a ordem natural das coisas. Meus sábios amigos mortos – Sêneca, Marco Aurélio e Montaigne – apontam para a necessidade da retidão, da ordem interior, da vigilância permanente. Suas palavras estão sempre guardadas na algibeira da minha memória. O que é pessoal se transforma em universal por meio de seus pensamentos. Que perfumam, como o mais puro jasmim, cada hora que nos é destinada viver.
Sejamos, nestes derradeiros momentos, os que sabem conduzir com firmeza a própria existência. A esperança não está só na lógica de se querer obter algo, mas também na confirmação do que reside em nós. Que cada um coloque em sua cesta básica o que poderá alimentá-lo sem os riscos da desnutrição ou da obesidade. A minha será abastecida com poesia, silêncio, abraços, gente para colorir a paisagem. E que meus passos sejam curtos e constantes. Não quero ser um maratonista. Antes, colho com a lentidão dos que entreveem um horizonte longínquo. Desejo ser alcançado pelo cansaço só depois do anoitecer.
Amanhã não me despedirei de nada. Prefiro pensar que continuo nascendo.