Ensina-nos o filósofo Marco Aurélio que toda ação que fere a moral e a ética é praticada contra nós mesmos. Não há porque exultar com ganhos ilícitos de ordem material ou comemorar qualquer forma de esperteza. É nosso caráter que está sendo diminuído. Portanto, não invejemos os ardilosos e os que, à primeira vista, parecem merecedores de inveja. Eles estão se furtando de valiosas oportunidades para depurar a sua conduta. Pois que somos todos filhos da ignorância, precisando de mestres e de estudo o tempo inteiro. A vida, dispersa em atividades banais, mecânicas, rouba-nos preciosas horas para meditar sobre o que é vital ao aprimoramento. Seja debruçando-se sobre livros ou observando com acuidade o comportamento humano. Os dias que os deuses nos concedem passam como uma aragem discreta que mal percebemos. Devemos nos apropriar de uma tenaz vontade, persistir, conscientes de nossa própria fragilidade. Temos à disposição uma imensa arquitetura interior, que guarda a sabedoria ancestral. Basta acessá-la, como fazemos com os pequenos e banais recados que recolhemos de nossos aparelhos celulares. Devemos aspirar a algo que transcenda, não se esgotando como uma gota de orvalho. Miremos as pedras e os rios, imóveis ou em movimento, mas sempre fiéis à sua natureza.
Leia mais
Gilmar Marcílio: descabelada
Adriana Antunes: a casa onde brinquei nas férias não existe mais
Ciro Fabres: retrato de família
Não são premiados os que estão sempre em busca de algo para acumular. E menos ainda aqueles que trocam a retidão pelo que é fácil, clandestino. O que vale para depurar a alma é sempre claro, diurno e pode ser testemunhado por qualquer outro homem. Esse aprendizado está a nossa disposição permanentemente, bastando que afinemos a capacidade de observar, transformando a atenção em nossa companheira mais constante. São sempre dois os caminhos que se apresentam diante de nós. Por indolência ou falsa esperteza, costumamos escolher o mais curto, o de percurso menos espinhoso. É no outro, porém, que se encontra a possibilidade de ultrapassar a nossa mediana estatura. Pouco importa se a minha ou a tua existência vá durar vinte ou noventa anos. E tampouco se o que chamamos de imortalidade seja um mero afã de nossa espécie. A bondade, a generosidade e a têmpera devem ser buscados como um valor intrínseco. Os ganhos não costumam ser percebidos por quem almeja a satisfação imediata. Saber esperar, mantendo a disciplina e a coerência, é um atributo dos grandes.
Quantas estações ainda nos aguardam? O que estamos esperando? Quem é senhor de si mesmo sabe da brevidade e dos esquecimentos. E que é preciso trabalhar com afinco, como o faroleiro que avisa os demais da chegada da tempestade. Ele salvará os que estão em alto mar, nessa aventura cujo desfecho desconhecemos, mas que deve suscitar em cada um o desejo da perfeição, livrando-nos dos defeitos mais graves. Não conhece inquietação aquele que se esforça para se tornar rei.