Você acredita que está vivendo o pior momento de sua vida. Você acredita que está vivendo o melhor momento de sua vida. Nos dois casos, há um erro crasso de interpretação, pois sempre é preciso afastar-se das circunstâncias para saber o que elas realmente significam. Há uma magnífica fábula zen budista que retrata um homem chorando por perdas que, ao longo do tempo, irão se revelar benfazejas. Em outras ocasiões ele exulta, mal sabendo que o aguardam dramas de proporções épicas. Pois assim é existir, oscilando entre o peso e a leveza, sem saber ao certo o que o futuro nos trará. Desde que assimilei essa lição, comecei a ver tudo com olhos menos lacrimosos e a alma relaxada. Sobretudo porque, como está escrito nos princípios estoicos, não está em nós a possibilidade de alterar determinados fatos. E sofrer por isso, nessa condição de imobilidade, torna-se inútil.
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Quando olho para o meu jardim e suas centenas de mudas de amor-perfeito floridas sei que é preciso sentir-se grato, mas deixar passar. Algumas flores já morreram; aqui e ali folhas amarelecem. As laranjeiras deixam seus frutos cair na terra, exaustas, servindo estes de adubo. Mas já, então, pode-se ver botões brancos perfumados anunciando os próximos frutos. Observo com atenção, silenciosamente, certo de que é na natureza que deverei apoiar meu coração algumas vezes cansado. E é nela, também, que encontrarei a alegria que tantas vezes falta entre os homens. Apesar disso, não deixo de buscar nos amigos o entendimento ausente, comprometidos que estamos na turbulência das nossas emoções. É preciso ponderar para não se entregar à tentação de culpar os outros, sempre eles. Da mesma maneira que estamos imbuídos de razões estritamente nossas, somos muitas vezes incapazes de saber o que leva alguém a agir dessa ou daquela maneira. Esse exercício sutil de tolerância nos conduz a um estado mental que considero precioso: a serenidade.
Tudo é sutil, discreto, nem sempre revelado. Com um pouco de paciência, as vendas são retiradas de nossos olhos e a realidade sem máscaras se revela. Não há culpados. Apenas o movimento que aquece e permite à engrenagem continuar girando. Há o destino e as situações que o revestem. Rebelar-se? Inútil. O que não significa que devamos ficar passivos, à espera do bem e do mal. Temos uma parcela de responsabilidade nisso tudo, não se pode negar. O segredo é descobrir qual a dimensão dentro do todo. Quem luta ferozmente é engolido pelo mar. Quem se entrega é carregado com doçura pelas ondas.
Opinião
Gilmar Marcílio: movimentos
Há o destino e as situações que o revestem. Rebelar-se? Inútil
Gilmar Marcílio
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