Ontem acordei com o tipo de notícia que desperta aquela mistura de sentimentos conflitantes que toma nosso coração quando alguém que admiramos morre. Na verdade, José Clemente Pozenato nunca vai realmente morrer: está eternizado nas obras literárias que deixou – principalmente a trilogia iniciada pelo best-seller O Quatrilho (1985), depois concluída com A Cocanha (2000) e o belíssimo A Babilônia (2006). Ninguém nunca mais vai escrever sobre a imigração italiana no Brasil ou sobre os Campos de Cima da Serra e a região da Uva e do Vinho, sobre Caxias do Sul e região, sem ter Pozenato como inspiração, guia e cânone literário.
Ao lamentar a perda do grande escritor – e do professor maravilhoso que ele foi – , há um misto de tristeza, saudade e gratidão, e um orgulho imenso de ter sido sua aluna na Universidade de Caxias do Sul, tanto no curso de Letras quanto no mestrado em Letras e Cultura Regional. Antes disso, eu já tinha lido O Quatrilho e O Caso do Martelo no colégio. Por isso, quando ingressei no curso de Letras da UCS, havia certa ansiedade porque eu sabia que talvez teria a oportunidade de ter aulas de literatura com um escritor renomado.
O que mais me impressionava no Pozenato professor, além da humildade, era a sofisticação da simplicidade de suas análises e explicações. Falava com muita clareza sobre os cânones literários e, mais do que tudo, incentivava cada aluno a fazer suas próprias explorações sobre grandes nomes como Machado de Assis e Carlos Drummond de Andrade. Era um professor que jamais caía no erro de guardar o conhecimento só para si (como alguns fazem por medo de descer do pedestal). Pozenato incentivava a pesquisa, recomendava leituras, abria a quem quisesse seus próprios arquivos e textos para multiplicar o interesse pela literatura brasileira e pela literatura regional. Graças a ele, escrevi e publiquei meus primeiros artigos acadêmicos justamente sobre Machado (sobre os contos Ideias de Canário e Um Apólogo) e sobre o tema da ecologia presente na poesia de Drummond.
Jamais teria me arriscado a escrever tais artigos se Pozenato não tivesse me dado a chave da academia entre conversas casuais sobre literatura e sobre a cantora italiana Rita Pavone (sim, além de tudo era um professor de uma conversinha boa, sempre com a voz calma e baixa, os olhinhos verdes brilhantes e puxados por trás dos óculos). Que saudade imensa daquela época, quanta gratidão pela formação que ele proporcionou a tantas pessoas, fosse nas aulas, fosse nos livros.
O segredo do sucesso literário de José Clemente Pozenato tem a ver com uma das leis primordiais da alta literatura, atribuída a Tolstói (mas já vi também atribuída a Dostoievski): “Se quiser ser universal, fale de sua aldeia”. Ao falar da nossa região, dos nossos costumes e origens, ao desmitificar a imigração italiana com uma boa dose necessária de realismo, o local tornou-se universal, nossas vivências chegaram até mesmo a Hollywood, o mundo nos viu e se viu no reflexo de um livro que virou filme e se eternizou. Obrigada, professor.