Dias atrás encontrei na rua uma ex-aluna, hoje professora de Matemática em escola pública, carregando cartolinas com joguinhos matemáticos que ela mesma tinha feito para uma turma de Ensino Fundamental. Ela estava à procura de uma gráfica que plastificasse o material, muito eficaz para explicar multiplicação e divisão de um jeito mais simples e facilitar a aprendizagem de seus alunos. Obviamente, pagou os cerca de R$ 60 do próprio bolso e dificilmente recebeu a remuneração justa pelas horas de trabalho no final de semana dedicadas à confecção dos jogos.
Por isso, vendo o esforço diário e invisível de uma profe como ela, penso como faria bom uso de qualquer verba extra que surgisse em sua escola. Daí minha revolta com a notícia, publicada pelo GDI – Grupo De Investigação da RBS, dos R$ 73 milhões que a prefeitura de Porto Alegre pagou para comprar um material que agora está praticamente sem uso estocado num depósito. São livros, equipamentos esportivos, brinquedos e jogos que nenhum professor pediu, mas que por uma daquelas tramoias inexplicáveis da nossa burocracia cotidiana – uma tal de “licitação por carona” – estão lá agora se deteriorando. Veja que os problemas na educação pública de qualidade nem sempre ocorrem por falta de verbas, mas por total ausência de planejar e, principalmente, de escutar atentamente os maiores interessados: professores, alunos e suas famílias, ou seja, os usuários do sistema público de educação.
Existe um conceito chamado UX, sigla para User Experience” que significa “experiência do usuário”. Basicamente, é um conjunto de elementos envolvidos na relação de um usuário com dado produto, sistema ou serviço. Quem popularizou o termo foi o pessoal da informática lá atrás quando os computadores saíram de ambientes acadêmicos e corporativos e chegaram aos nossos lares. Era necessário que se “traduzisse” o que programadores e sua lógica exata – por vezes hermética – achavam funcional e eficiente para uma coisa mais palatável à rotina de uma pessoa comum em seu lar. Foi graças a isso, por exemplo, que surgiu o mouse.
O Estado, os burocratas, as reuniões intermináveis, as planilhas, as leis datadas, o empurra-empurra de “isso não é competência da minha secretaria, é de outro órgão” significam um total desperdício dos impostos dos contribuintes e um desrespeito imenso com a sociedade. Duvido que algum membro do Estado realmente tenha ido até uma escola e conversado por meia hora que seja com uma professora que está lá na linha de frente. Essa professora poderia ter dito o que os alunos realmente precisam, não o que um tecnocrata qualquer acha que precisam. De que adiantam computadores se não há nem cabeamento elétrico seguro? De que adiantam “tabelas de basquete” se nem quadra a escola tem?
Fico imaginando que se tivessem distribuído esse dinheiro todo para cada escola decidir o que fazer, não haveria material nenhum ao léu, sem beneficiar os estudantes e professores. O benefício, mais uma vez, foi exclusivo de algum burocrata burro e preguiçoso.