Por Charles Lopes Kuhn, Juiz do Trabalho e gestor do Programa de Enfrentamento ao Trabalho Escravo, Tráfico de Pessoas e Proteção ao Trabalho do Migrante do TRT-RS
Certamente já ouvimos falar que o trabalho escravo continua existindo, em várias partes do mundo. Mais uma notícia grave, mas que acaba relegada ao esquecimento, soterrada pela avalanche de demandas da vida moderna.
Pois bem, imagine agora que a notícia fosse de trabalho escravo em sua própria casa. Soaria mais grave? Ultrajante? Mereceria nossa atenção? Infelizmente, meu caro interlocutor, é essa, e não outra, a notícia que temos para hoje.
Sucessivos resgates realizados nos últimos anos (e meses!) não deixam qualquer dúvida! Há pessoas escravizadas em nosso país e em nosso Estado. Há, muito provavelmente, pessoas escravizadas agora em nossa própria cidade. São pessoas como nós, mas que, absolutamente, não vivem como nós. Trabalham em condições degradantes, dormem em abrigos precários, comem comida estragada, bebem água contaminada, cumprem jornadas exaustivas, sem verdadeira liberdade de ir e vir. Quiçá, com documentos retidos ilegalmente, ameaçados ou enganados por dívidas fictícias que crescem à medida que mais e mais trabalham. Dor, sofrimento, desonra, bem embaixo dos nossos olhos, ou muito perto disso.
Dor, sofrimento, desonra, bem embaixo dos nossos olhos, ou muito perto disso
Não por culpa nossa, poderíamos dizer. Há um contexto maior, um sistema econômico injusto, uma sociedade desorganizada por contingências históricas, um déficit cultural. Esse, sem dúvida, é o histórico de nosso país. Mas, e sobre cada um de nós? Qual será a notícia do futuro sobre a sociedade que deixaremos para nossos filhos? Dirão que resolvemos tomar pé do que ocorre à nossa volta, ou que fechamos os olhos e preferimos tolerar o intolerável?
Neste 28 de janeiro, Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, estamos novamente convidados a não esquecer. A sermos, como dizem, a mudança que queremos ver no mundo. Ajamos, pois, eliminando o sofrimento desnecessário e a exploração aviltante. Usemos, por fim, a dádiva de sermos humanos, criaturas potentes e maravilhosas, feitas não para sofrer e temer, mas sim para pensar, construir e amar.