Diagnosticado com uma pneumonia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi prudente ao acatar as orientações médicas e decidir adiar a visita que faria à China, com embarque programado para o último fim de semana. Não se questiona a relevância da viagem, organizada para firmar e negociar uma série de acordos com o principal parceiro comercial do país, mas o fato é que, diante das circunstâncias, se abre– e deve ser aproveitada – uma oportunidade para o governo adiantar o andamento de questões domésticas pendentes que precisam de encaminhamento. O tema prioritário, sem dúvida, é o novo marco fiscal.
Sem ir à China, Lula tem mais tempo para analisar a proposta e conduzir conversas sobre o arcabouço fiscal
Paira grande expectativa dos agentes econômicos sobre a fórmula a ser apresentada para garantir o equilíbrio das contas, com a sustentabilidade da dívida pública no médio e longo prazos. Noticiava-se, na semana passada, que o presidente bateria o martelo sobre a proposta só após o retorno da missão à China, que se encerraria apenas na sexta-feira. Como teve de ficar em Brasília, Lula vai aproveitar os próximos dias, enquanto se restabelece, para despachos internos no Palácio da Alvorada, especialmente com ministros. Assim, apenas com agendas internas ao menos até quarta-feira, o presidente tem mais tempo para analisar a proposta, conduzir conversas e buscar alinhamento sobre o arcabouço fiscal. O próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também viajaria. Ao permanecer no país, também tem a chance de retomar contatos para tratar do tema.
O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, adiantou ontem que Lula permaneceria ao menos até quarta-feira no Alvorada, mas não deu prazo para o governo finalmente revelar os termos da proposta do marco fiscal. O ideal seria que se desse a urgência que o assunto merece. Sem que se conheçam suas bases, permanece a paralisia em torno de decisões econômicas, e ruídos que surgem a todo momento ganham mais relevância e geram turbulências desnecessárias. O que resta, como disse ontem a ministra do Planejamento, Simone Tebet, é a definição pelo presidente de alguns parâmetros, uma decisão que, ao fim, é de natureza política.
Sem compromissos externos e viagens pelo país, Lula pode ainda tentar elevar os esforços para mediar a crise entre os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara, Arthur Lira, em torno da tramitação das medidas provisórias (MPs). É um impasse que tem de ser solucionado, em nome dos interesses do país.
Também seria proveitoso se Lula utilizasse o período de maior resguardo, enquanto recupera a saúde, para refletir sobre os excessos verbais dos últimos dias. O presidente fez a sua campanha eleitoral com o compromisso de trabalhar pelo apaziguamento. Prometeu não se mover por desejos de vingança. O que se viu na semana passada, no entanto, foi uma postura rancorosa, com o uso de expedientes tantas vezes criticados em seu antecessor, como teorias conspiratórias para atacar adversários. A tarefa de governar o país, diante de tantos problemas reais que afligem a população, será mais custosa e terá maior risco de fracasso se os ressentimentos se sobrepuserem à postura esperada de um ocupante do cargo de presidente da República.