A decisão de adiar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) é acertada e atende a um justo clamor da sociedade. A chegada do novo coronavírus forçou as escolas a suspenderem as aulas presenciais, prejudicando a preparação dos alunos para a avaliação do sistema que se consolidou como principal meio de acesso ao Ensino Superior do país. A medida, que chegou a ter hesitação do governo federal, se justifica ainda mais pelo risco de a edição deste ano acabar acentuando as diferenças de notas de acordo com a origem social dos jovens que disputam um lugar nas universidades. Sabe-se que muitos estudantes de escolas públicas, oriundos de famílias mais humildes, têm dificuldades adicionais de ter aulas remotas em função de menor disponibilidade de internet e equipamentos adequados.
Estudantes de escolas públicas, oriundos de famílias mais humildes, têm mais dificuldade de ter aulas remotas em função de menor disponibilidade de internet e equipamentos adequados
O importante instrumento criado para democratizar o ingresso no Ensino Superior do Brasil, portanto, não poderia ter em 2020 uma edição que aprofundasse ainda mais este abismo, ajudando a perpetuar a gritante desigualdade brasileira. Reportagem publicada em julho do ano passado por Zero Hora já escancarava este quadro. Mostrava que grande parte da nota dos candidatos é determinada por características sociais e culturais. Renda familiar mais alta, cor da pele, computador em casa, Ensino Médio em escolas particulares e pais com curso superior são fatores que tendem a aumentar o desempenho do candidato. Realizar o Enem na data prevista agravaria esta disparidade de condições.
A prova, que pelo cronograma original seria aplicada no início de novembro, será adiada entre 30 e 60 dias, informou de forma imprecisa o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), do Ministério da Educação. É necessário que o governo defina logo as datas, como forma de os jovens planejarem melhor os seus estudos. Também deve haver espaço para discutir a possibilidade de não ser realizada a prova de Redação, mas apenas neste ano. Enquanto as notas do Enem saem rapidamente, a avaliação dos textos pode demorar até dois meses, atrasando o resultado do exame. Com isso, os testes poderiam ser realizadas até em janeiro de 2021, com as aulas nas universidades iniciando em março. Mas seria imprescindível voltar com a Redação nas próximas edições. É uma avaliação que precisa ser mantida, estimulando a leitura e o aprimoramento na habilidade de escrever.
O adiamento do Enem é uma decisão sensata, mas, ao mesmo tempo, não autoriza estudantes, famílias e escolas a um relaxamento na preparação. É preciso encontrar soluções para melhorar o ensino a distância neste momento de isolamento social ainda necessário, que não pode ser um privilégio apenas da rede particular. Sob pena de redundar em um alargamento da distância em relação ao ensino público, apenas adiando um resultado abaixo do esperado para os candidatos oriundos de escolas geridas e custeadas pelo Estado. Para suprir carências como a ausência de internet e computadores nos domicílios mais carentes, os governos deveriam transformar, neste momento, as TVs e rádios educativas em salas de aula permanentes, 24 horas por dia, se for o caso. Se várias atividades estão se transformando em meio à pandemia, a educação pública, da mesma forma, precisa se adaptar e encontrar formas de levar o conteúdo aos alunos. Onde não existirem canais e emissoras estatais, seria o caso até de contratar serviços privados e utilizar frequências disponíveis para levar matemática, português, história, geografia e ciências para todos os lares onde existir um jovem em busca de seus sonhos pelo caminho da educação.