A tensão nos mercados internacionais nos últimos dias devido ao temor de severos danos à economia global causados pelo coronavírus atingiu ontem o patamar de pânico com a guerra dos preços do petróleo travada entre Arábia Saudita e Rússia. A profundidade das duas crises somadas ainda dependerá da expansão ou contenção do vírus nos Estados Unidos, na Europa e na Ásia e do desdobramento do desentendimento que levou os sauditas a cortarem o preço e aumentarem a oferta da commodity, com reflexos preocupantes para vários países produtores, como o Brasil. Por aqui, o que se viu foi a bolsa brasileira ter de acionar o chamado circuit breaker, utilizado quando o índice Ibovespa cai mais de 10%, e o dólar ter outra sessão de forte alta.
A perspectiva de uma crise ainda mais aguda exige mais foco na busca por soluções para as fragilidades estruturais da economia brasileira e das contas públicas
A situação causa preocupação maior no país pela condição interna desfavorável. O Brasil enfileirou uma sequência de dois anos de queda no PIB sucedida por outros três com crescimentos pouco acima de 1%, que nem sequer podem ser considerados medíocres. O quadro fiscal brasileiro, grave, tende a se deteriorar ainda mais se a forte aversão ao risco no mercado financeiro de fato contaminar a economia real. Aflige que, neste momento, o governo federal ainda vacile no envio da reforma administrativa para o Congresso e mostre uma desconcertante inação no relacionamento com o parlamento, no qual uma extensa pauta essencial para o país crescer sobre bases sustentáveis no longo prazo aguarda a ação do Planalto.
Quando se esperava o mínimo de responsabilidade do governo, o que se ouviu no fim de semana foi uma nova convocação do presidente Jair Bolsonaro a manifestações inicialmente chamadas para emparedar o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF). Parte do primeiro escalão do Executivo segue preferindo malgastar tempo com discussões imprestáveis a encarar os problemas palpáveis e gritantes do país.
O pronunciamento de Bolsonaro na sexta-feira à noite em cadeia de rádio e TV para tranquilizar a população em relação ao coronavírus merece elogios e, neste momento, pelo potencial de danos humanos e econômicos, o covid-19 deveria se sobrepor a todas as outras preocupações do presidente. O número de casos no Brasil ainda é pequeno em relação a outros países, mas tende a crescer e pode causar estragos mais profundos na atividade.
A perspectiva de uma crise ainda mais aguda exige mais foco na busca por soluções para as fragilidades estruturais da economia brasileira e das contas públicas. É verdadeiro que os dois fatores que originam a instabilidade atual têm origem no Exterior. Mas o fato de o real ser a moeda que mais se desvaloriza diante do dólar no ano é um indício de que a turbulência não é apenas importada. É um alerta de que o mundo econômico não demonstra confiança no governo Bolsonaro. Esta seria a grande hora de o presidente se mostrar um estadista e agir com grandeza, acima de questiúnculas ideológicas. Mas fica a colossal dúvida sobre o chefe do Executivo ter o discernimento necessário quanto ao tamanho do problema, o potencial destruidor da incerteza e, o principal, o que fará para começar a reverter essa desconfiança.