Reformas propostas pelo poder público normalmente são impopulares e, não raro, levam multidões às ruas para protestar. É assim em qualquer lugar do mundo, sobretudo quando as mudanças tentadas pelos governos de nações, Estados ou municípios tocam em benefícios de categorias organizadas e do funcionalismo estatal. O caso da França é exemplar. Paris atravessa dias de enormes mobilizações que têm levado à quase paralisação de serviços como o metrô, ao cancelamento de voos, a um grande número de escolas fechadas e atendimento prejudicado em hospitais. As manifestações têm como motivação o descontentamento com a intenção do presidente Emmanuel Macron de reformar o sistema de Previdência.
Assim como na França, servidores do Estado reagem e se mobilizam contra o pacote de reestruturação de carreiras e de aposentadorias apresentado pelo governo Leite
É preciso registrar que, em grande parte dos países europeus, a idade mínima para se aposentar é de 65 anos, enquanto na França permanece em 62 anos para homens e mulheres. Sustenta o governo francês que a ideia não é mexer neste ponto, mas sim propor estímulos para quem permanecer por mais tempo no mercado de trabalho, além de acabar com os 42 regimes especiais de aposentadorias. Os ferroviários locais, para ilustrar, podem ter o benefício aos 50 anos e oito meses de vida, lembrando inúmeras categorias no Brasil que precocemente têm direito a se retirar da ativa.
Em menor proporção, mas por motivos parecidos, servidores do Estado reagem e se mobilizam contra o pacote de reestruturação de carreiras e de aposentadorias apresentado pelo governador Eduardo Leite. Discordar da perda de conquistas, justificadas ou não, e insurgir-se contra esta possibilidade, é algo que pode ser considerado natural por parte de quem é atingido. Quem recebe o benefício não é responsável ou culpado por usufrui-lo, tampouco por pretender seguir desfrutando dele no futuro. Irresponsáveis e culpados foram aqueles que concederam, aprovaram ou endossaram vantagens ou regalias como se não houvesse amanhã. Como se, um dia, por pura matemática e pela lógica da demografia, a conta não retornasse, acrescida de juros, sendo dividida por toda a sociedade. É o que acontece hoje no Rio Grande do Sul e o que a França tenta evitar, antes que o problema se materialize por lá.
A fatura entregue hoje à população gaúcha vem com os itens discriminados em forma de uma segurança insuficiente, de uma educação de baixa qualidade, de um atendimento da saúde deficiente. Quase todo o minguado recurso existente é escoado para pagar salários, aposentadorias e pensões. Se há algo positivo neste cenário, é a lição que deve ser aprendida. Seja na rica França ou nos depauperados Brasil e Rio Grande do Sul, não há mais espaço para concessões populistas e eleitoreiras com o chapéu alheio – leia-se, o dinheiro suado do contribuinte. Antes de abrir o cofre para atender a pressões corporativas, é preciso refletir e lembrar que a irresponsabilidade perdulária é uma bomba de efeito retardado, a ser detonada no colo das futuras gerações.