Por Igor Oliveira, consultor empresarial
O decreto 9759, do presidente da República, que extingue diversos conselhos sociais e órgãos colegiados, foi extremamente mal recebido em minha rede de contatos, não apenas por pessoas identificadas com a esquerda. O temor principal é de que o governo deixe de ouvir a sociedade em questões essenciais.
Minha percepção sobre o assunto é diferente. Qualquer que seja o governo no poder, sempre vi nesses espaços um risco de aparelhamento, cooptação e instrumentalização da sociedade civil organizada. Enxergo, portanto, efeitos positivos nessa medida.
O ideal é que conselhos de políticas públicas sejam organizados pela sociedade. O governo deve ser apenas um dos participantes. É preciso inverter a lógica. A sociedade organiza e convida o governo a entender sua agenda. De preferência, sem usar dinheiro do contribuinte, para garantir a independência.
No Brasil, temos uma tendência a reduzir política pública à política governamental, como se o governo fosse o único ente capaz de agir pelo interesse comum. Isso é falso. Política pública não se trata de ouvir mais gente para decidir o que o governo vai fazer.
O verdadeiro desafio é mobilizar a sociedade em torno de suas próprias agendas. Quando essas agendas ficam mais claras, nos damos conta de que há intervenções possíveis mesmo sem o envolvimento governamental. Outras precisam de alguma coordenação com o Estado. Por fim, temos aquelas que realmente só podem ser implementadas pelo Estado. Mas, veja, essas são apenas um dos três tipos de políticas públicas.
É evidente que a intenção por trás do decreto não é assim tão romântica. Claramente, o governo percebeu que a sociedade dependia dos recursos dedicados a esses colegiados para exercer pressão e, por isso, resolveu extingui-los.
Sobretudo em tempos de vacas magras, é difícil para a sociedade arcar com seus próprios custos de mobilização e coordenação. Porém, esse é um caminho inevitável se quisermos um dia ter uma democracia genuína, livre da instrumentalização. As ferramentas digitais estão aí para baratear esses processos de debate e formação de agenda política.
Tenho dito que o papel destrutivo desse governo dói nos mais pobres e, por isso, é triste para a nação. Ainda assim, temos de aprender a aceitar que uma parte dessa destruição vem para o bem.