Por Shana Luft Hartz, delegada de Polícia e Diretora do Departamento de Proteção aos Grupos Vulneráveis
Quando falamos em limitação da comercialização e consumo de bebidas alcoólicas em ambientes públicos, logo surge a questão: é legítima a ação do poder público que pune todas as pessoas, de forma indiscriminada, em vez de punir apenas aqueles que abusam do direito?
É inegável que a bebida alcoólica, apesar de ter, de forma geral, sua venda e seu consumo permitidos no Brasil, é um fator que gera violência. O consumo de bebida alcoólica leva a uma instabilidade social, seja no âmbito familiar, no âmbito futebolístico e em ambientes coletivos em geral.
Num ponto de vista mais amplo, atualmente as pessoas estão confundindo os conceitos de liberdade e libertinagem. Ambos envolvem processos de tomada de decisões.
A liberdade se revela no direito da livre manifestação e movimentação, de se comportar segundo sua própria vontade, dentro de uma ideia de independência, autonomia e espontaneidade do ser humano, sempre partindo do princípio de que esse comportamento não influenciará negativamente outras pessoas.
A libertinagem, por outro lado, é desencadeada pelo uso inadequado da liberdade. Demonstra uma irresponsabilidade que pode prejudicar não só a própria pessoa, mas também as outras. As ações decorrentes da libertinagem expõem a inconsequência do comportamento do autor.
Em um mundo cheio de "direitos", a falta de regras impostas e definidas leva fatalmente à desordem. A falta de educação e limites gera um descontrole e uma instabilidade social.
Nesse contexto entra a necessária atuação do poder público, com o poder/dever de evitar conflitos e buscar a harmonização social. Havendo grande incidência de casos de vandalismo, brigas, perturbações de modo geral, principalmente em períodos noturnos e em locais de grande movimentação de pessoas, em sua maioria ligados ao consumo excessivo de bebidas alcoólicas, é imperiosa a ação estatal, de forma preventiva, para evitar ações nocivas à coletividade.
Aliás, não está se criando nada de novo nessas intervenções. Países com um nível de desenvolvimento bem superior ao nosso impõem restrições dessa natureza há muito tempo. Certamente elas também não foram implementadas imotivadamente.
De forma quase antagônica, essa limitação leva ao exercício de outra liberdade: o direito de passear em um ambiente público sem ser desrespeitado ou até mesmo agredido ou de ter seu patrimônio ameaçado.
Afinal, num momento de conflitos de ideais, que direito é mais importante e merece ser resguardado: daqueles que querem vender/consumir bebidas alcoólicas em público ou daqueles que querem ver resguardado o seu direito de ir e vir em paz?