O anúncio feito pela Vale de que vai desativar as barragens a jusante – as que são mais baratas e oferecem mais risco – é louvável. Ainda assim, como é hábito no Brasil, chega tarde, depois de ocorrida mais uma tragédia com perdas humanas e ambientais inadmissíveis. Essa prática de corrigir os problemas apenas depois que centenas de vidas são ceifadas é corrente no Brasil, e não pode continuar. O país precisa reagir, optando por ações de caráter mais preventivo, sem se limitar apenas a atuar só depois do fato consumado.
Esse tipo de posicionamento não é recente e mostra a dificuldade do poder público de cumprir seu papel com rigor, no sentido de evitar danos às pessoas. Só depois dos incêndios dos edifícios Andraus e Joelma, na São Paulo dos anos 1970, recordistas em número de mortos e feridos nesse tipo de caso, é que foram adotados procedimentos mínimos de segurança em prédios.
Da mesma forma, a reestruturação do controle de tráfego aéreo e da segurança de pistas de aeroportos só ocorreu depois que dois acidentes consecutivos no país enlutaram centenas de famílias. A legislação sobre segurança em casas noturnas e locais coletivos também só se tornou mais rígida após o trágico incêndio na boate Kiss, registrado há seis anos em Santa Maria.
Há, naturalmente, problemas de fiscalização e de legislação em praticamente todas os setores que podem implicar algum risco à população. Mas nem as mais avançadas práticas fiscalizatórias e legais são capazes de substituir um elemento simples e tantas vezes ignorado no país: a responsabilidade pela segurança alheia.
No Brasil, flerta-se com a irresponsabilidade desde sempre. Desde os casebres construídos em encostas instáveis, para as quais integrantes do poder público fazem vista grossa pelo temor de perderem votos, até o familiar que embarca crianças sem coletes em canoas inseguras, o traço nacional é a desconsideração com a segurança.
É preciso uma mudança radical, que se estenda dos gestos mais simples, como respeitar pedestres nas faixas de travessia, até a responsabilização duríssima de megaempresas responsáveis por casos como os registrados nas barragens da Vale. A tragédia de Brumadinho reafirma a necessidade urgente de uma revolução cultural no país, na qual a lei maior deveria ser apenas que a segurança vem antes de qualquer outra consideração.