Por Vinícius Müller, doutor em História Econômica e professor do Insper
Em 1950, em uma eleição que não previa segundo turno, Getúlio Vargas venceu com 48% dos votos. Vozes da oposição alegaram que o novo-velho presidente não poderia assumir com votação que não expressasse a maioria, ou seja, 50% mais um dos eleitores.
De fato, a eleição revelou um fenômeno que se repete: com apenas um turno, a disputa tende a ser polarizada, esvaziando candidaturas que atrairiam número significativo de eleitores. Em 1950, houve uma fuga de eleitores do candidato pelo PSD, Cristiano Machado, em direção à candidatura de Vargas, transformando a eleição em plebiscito acerca da volta do 'velhinho' de São Borja.
Depois de décadas, a Constituição de 1988 incluiu a regra dos dois turnos, válida para eleições de presidente, governadores e prefeitos de municípios com mais de 200 mil eleitores. Desde então, o país elegeu quatro presidentes, sendo três deles eleitos por duas vezes: Collor, FHC, Lula e Dilma. Entre eles, FHC foi eleito nas duas vezes em 1º turno, com 54% dos votos em 1994 e 53% em 1998.
As eleições em dois turnos valorizam a hipótese de que é mais democrática a situação na qual os eleitores podem escolher os candidatos que mais se aproximam de seus anseios no primeiro turno para, em segundo turno, adaptar seus anseios às propostas concentradas em apenas dois candidatos. Ou seja, no primeiro turno, os eleitores escolhem pelas preferências mais específicas que carregam, já no segundo, pela negação de um dos candidatos.
Assim, o caráter plebiscitário do segundo seria resultado de um filtro já aplicado no primeiro turno, garantindo que o vencedor seja legitimado por mais da metade dos eleitores que se dispuserem a validar seus votos. O problema ocorre quando este plebiscito já acontece no primeiro turno. Neste caso, não obstante a legitimidade do vencedor, há uma antecipação da polarização que estimula os eleitores a, já na primeira fase eleitoral, escolherem não pelas similaridades que encontram com os candidatos e sim pela repulsa que nutrem por um deles.