Por Celso Gutfreind, psicanalista e escritor
Recomenda-se cautela na mistura do individual e coletivo, pois nem sempre trilham os mesmos caminhos. Mas a coletividade é feita de indivíduos e, às vezes, cabe a aproximação. Em termos individuais, conhecemos muito bem a importância do brincar. Psicanalistas como Klein e Ferenczi descrevem o quanto nos defendemos do desamparo dos primeiros anos com um sentimento oposto. Precisamos brincar de que temos todos os poderes para abrir mão deles, mais tarde, e estar com o outro.
Aliados a outros "superpoderosos", donos de big techs, ignorando as nossas fragilidades, atendem tão somente às suas ganas de poder e dinheiro
Também por isso a falta de oportunidade para brincar na infância costuma ser dramática, gerando indivíduos que não perderam a onipotência necessária ao começo. Na continuação, ela será nefasta, gerando tiranos no ambiente familiar. E mundial, como o caso de Donald Trump, que retoma a presidência dos Estados Unidos. Com a certeza de deter todos os poderes, ele já não consegue pensar nos estragos que causam decisões vazias da noção de alteridade. Arvora-se em não respeitar acordos climáticos, em anexar o Canal do Panamá e a Groenlândia, em lançar uma ofensiva contra imigrantes "criminosos", ignorando consequências como guerras, injustiças e a destruição de um planeta cada vez menos habitável.
Aliados a outros "superpoderosos", donos de big techs, ignorando as nossas fragilidades, atendem tão somente às suas ganas de poder e dinheiro. Evocam aquele bebê desamparado, movido pela fantasia de que poderá safar-se na ilusão de tudo poder. Não pode tudo. Precisa do outro, da falta e da sobrevivência do ambiente que habita. Para atingir essa consciência, precisa, sobretudo, brincar, justo o que parece estar faltando em um mundo que testemunha a atroz coincidência: a tomada do poder por parte de adultos que não renunciaram à onipotência, e crianças entregues à solidão das telas, sem a oportunidade de brincar com o desamparo. Em ambos os casos, ignora-se a fragilidade inevitável a uma pessoa ou a uma democracia.
E, apesar de todo o poder que trazem os cargos ou o dinheiro, desabam as casas e o mundo onde foram construídas.