Por Fábio Hoffmann, cientista político
A democracia tem passado por maus bocados em todo o mundo. O aprofundamento do nacionalismo nos Estados Unidos e em países da Europa com características xenófobas é apenas uma das consequências advindas de sua crescente incapacidade de solucionar problemas cada vez mais complexos. Na América Latina e no Brasil, no entanto, os problemas que a democracia vem acumulando decorrem de fatores não só pontuais, mas também histórico-estruturais.
Democracias precisam se institucionalizar e se legitimar em múltiplas dimensões que vão abranger desde uma arquitetura mínima de competição pelo poder, questões de garantias de direitos e, principalmente entregar políticas públicas satisfatórias para a sua população. O desconcerto brasileiro atual é resultado de um processo de construção democrática que vem falhando constantemente na entrega do projeto de nação proposto na carta constitucional de 1988.
Submersa numa crise aguda de legitimidade que ela própria provocou, a elite política dirigente tem menosprezado, em seu diagnóstico, as transformações que a revolução tecnológica tem trazido para a percepção da realidade social. Não compreendem o simbolismo presente nos centavos do Junho de 2013 e agora na paralisação dos caminhoneiros. No Brasil, como em nenhum outro país da América Latina, seus cidadãos estão dispostos a abolir o sistema representativo. Isso não quer dizer, no entanto, que o risco de uma ruptura de regime é iminente.
O déficit da democracia brasileira, portanto, não se restringe mais à sua dimensão social. Perdedores hoje aceitam menos os resultados das urnas, o governo perdeu sua capacidade de antecipação às crises e sua paralisia decisória se tornou recorrente. Num cenário de agravamento da capacidade de resposta por parte da democracia, era previsível o aumento dos pedidos por intervenção militar, principalmente vindos de uma sociedade historicamente autoritária. Felizmente, essa parece ser uma realidade anacrônica devido aos avanços dos valores contemporâneos por maior liberdade de participação e direitos amplos de expressão.