O mundo das finanças saiu de 2016 e entrou em 2017 trepidando. Nada de novo até aqui. A última desculpa fornecida pelos especialistas é a incerteza das medidas que Donald Trump implementará ao assumir a presidência dos EUA. Nenhuma das decisões de Trump será inesperada. Representante máximo do mundo corporativo, todas as suas políticas funcionarão para defender tais interesses. Uma das primeiras foi nomear para a Agência de Proteção Ambiental (EPA) o procurador-geral de Oklahoma, Scott Pruitt, que já havia processado a EPA várias vezes, sob alegação de que o aquecimento global não existe. Lá, procuradores-gerais são eleitos. O maior financiador da campanha de Pruitt? A Devon Energy, exploradora de petróleo e carvão do meio-oeste americano.
Recentemente, a revista Science destacou o trabalho do geógrafo Richard Heede, que compilou, independentemente, as emissões de carbono geradas por atividade humana. Heede mostra que a quase totalidade das emissões de carbono desde a Revolução Industrial deve-se a 90 grandes corporações. Dessas, oito contribuíram sozinhas com um quinto das emissões totais, entre elas Exxon, British Petroleum, Chevron e Petróleos Mexicanos.
Trump foi eleito pelo americano médio que, cansado dos políticos profissionais, preferiu apostar em alguém com comprovada experiência em gerir negócios. Alguém de fora do "esquema". Papo também popular aqui no Brasil, que elegeu prefeitos que prometem eficiência administrativa, inspirados em empresas. Privatizar serviços, cortar gastos.
Mas os primeiros cortes que vieram com força foram em educação, ciência e saúde. Com a desculpa de que isso "onera" o Estado, ou de que o cidadão precisa ter "liberdade" para escolher. O problema é que um governo não é uma empresa. Ao repassar as obrigações do Estado para com o cidadão – saúde, aposentadoria, energia, infraestrutura – a empresas privadas, governantes usam a desculpa de tornar "eficiente" a administração dos recursos para, na verdade, passar o controle das obrigações a grupos que não têm interesse em garanti-las. Ao contrário, seu compromisso é com as empresas que gerenciam – e essas usarão tais recursos até sua exaustão. Muitos imaginam que esses CEOs e executivos cultivam uma administração eficaz para garantir a saúde operacional e a longevidade das companhias, mas essa é uma preocupação menor. Quando uma grande corporação gera um monstro que não mais pode ser administrado, em geral ela é salva por legislação e subsídios garantidos pelos mesmos políticos que lhe cederam o privilégio de explorar tal área. O próprio Trump conta em sua biografia que, quando sua empresa devia bilhões aos bancos, dormia tranquilo. Sabia que não executariam sua dívida, pois ele não tinha como pagar.
A decisão de cortar recursos para ciência, tecnologia e educação, de desmantelar os setores do Estado que investiam em cultura e ciência não vem, portanto, de ignorância de nossos governantes, como alguns acreditam. É uma decisão política. Os cientistas sabem disso, mas podem ajudar a demonstrar à população que é possível tomar decisões baseadas em evidência, em vez de ideologia disfarçada de competência. Os cientistas precisam ser mais vocais ao divulgar para a comunidade a importância do seu trabalho. Pessoas que apoiaram o fechamento de fundações como a FEPPS, no Rio Grande do Sul, não têm a mínima ideia de que ali estava a referência de uma série de exames diagnósticos. Os funcionários da FEPPS e outras fundações não foram demitidos, apenas não farão mais exames como a contagem de carga viral de HIV – esta terá de ser terceirizada para empresas privadas.
Trump trará de arrasto vários empresários candidatando-se com plataformas semelhantes – e interesses previsíveis – disfarçados de novidade. Enquanto nos deixarmos enrolar por essa conversa, mesmo que a informação esteja disponível como nunca antes esteve; enquanto persistirmos no uso de combustível fóssil embora exista tecnologia alternativa, a culpa não é dos políticos ou das corporações. Somos, todos, responsáveis.
* Cristina Bonorino escreve mensalmente no Caderno DOC.