Salvador Célia, precursor da saúde mental infantil no RS, defendia a ideia de que não há hierarquia em grupos de trabalho. Todos são muito importantes para o sucesso da tarefa. Isso vale para famílias. Vale para empresas. Para escolas. E para governos.
Eduardo Alves da Costa escreveu um poema tantas vezes atribuído ao poeta russo Maiakovski. Em seus versos, o brasileiro expressou o perigo da indiferença diante das injustiças realizadas ao nosso redor. E, quando o "inimigo" vinha buscar o poeta, ele já não podia dizer nada.
De fato, números importam muito e a economia é um eixo fundamental na vida de qualquer família, empresa, escola, governo. Se a conta não fecha, se o balanço é negativo, o desenvolvimento estanca e a crise irrompe em todo o seu horror. Mas tem a educação, a saúde e todos os outros aspectos que continuam fundamentais.
Ocorre-me agora apontar a minha lente pensante para a iniciativa pública e para a privada. Na primeira, a Fundação Piratini com suas bravas TV Educativa e Rádio FM Cultura estão ameaçadas pelos cortes orçamentários do governo estadual. Na segunda, a brava Palavraria, ponto literário tradicional de nossa cidade, marcou o fechamento de suas portas para o final do mês.
É possível que o governador Sartori reequilibre as suas (nossas) contas, assim como o bravo Carlito (Palavraria) reorganize o seu balanço. Os efeitos, no entanto, estarão longe de serem sanados, porque os dois casos apontam para as dificuldades da cultura em todas as esferas. No caso do governo, para o quanto os números estão sendo priorizados em relação à produção cultural. No caso da Palavraria, para como estamos produzindo uma sociedade pouco segura de andar na rua e adentrar os livros.
Situações como essas revelam uma fumaça perigosa. Afastados de um fomento à produção de pensamento e sentimento (cultura), esquecemos a falta da hierarquia do Célia e nos tornamos vulneráveis a números igualmente importantes. E, quando o "inimigo" vier a nós, como no poema do Eduardo, talvez já não possamos dizer nada.