No primeiro semestre do curso de Jornalismo, a pessoa candidata a futuro repórter aprende a identificar o que é notícia. A receita dos mestres é simples: se o cachorro morder o homem, não é notícia, pois isso é algo corriqueiro, que o digam os profissionais dos Correios. Mas, se o homem morder o cachorro, aí sim, tem-se o extraordinário, que deve ser noticiado.
Tal aprendizado parece ultrapassado. Exemplo disso acontece no Rio Grande do Sul, onde o governador do Estado se especializa em "fazer notícia" do corriqueiro. Na véspera do final do mês, chama todas as entidades representativas do funcionalismo para anunciar que vai pagar os salários em dia. A obrigação vira um grande anúncio e ganha contornos de algo único. Mas esta não foi a única situação: o governador também usou de pompa e circunstância para anunciar repasse de recursos para hospitais - estavam contratados e eram devidos - e para anunciar a folha em dia logo após aprovação do tarifaço.
Eleito sem apresentar plano de governo, passado um ano, Sartori coleciona para sua prestação de contas várias mordidas caninas, transformadas em quase feitos heroicos, com a complacência de setores da mídia. Fatos que, em governos passados, não mereceriam mais do que uma pequena nota ao pé de página ou na locução de uma chamada de notícias. Tal performance só é possível porque, em primeiro lugar, uma versão de caos absoluto nas finanças foi vendida, comprada e distribuída no atacado.
O governo penalizou o funcionalismo com salários parcelados. Impôs à população o caos na segurança pública e o corte de vários serviços na área da saúde. Com essa espada sobre a sua cabeça, a maioria da Assembleia aprovou o aumento do ICMS, um tiro no peito da economia gaúcha. Sob essa mesma pressão, o Legislativo, a portas fechadas, e sem a participação das bancadas do PT e do PSOL, aprovou mudanças na previdência dos funcionários. Há quatro semanas, o corte no teto das RPVs tranca a pauta no parlamento. Com tudo isso, a obrigação de pagar em dia os salários se transformou no "homem que morde o cachorro".