Por Frederico Cattani, advogado, mestre em ciências criminais e coordenador da Comissão Especial de Pleitos Eleitorais da OAB-Caxias do Sul
As eleições são um pilar da democracia, mas, por trás da aparente normalidade do processo eleitoral, um fator silencioso pode distorcer a vontade de uma comunidade. As urnas registram os votos de eleitores devidamente habilitados, mas denúncias alarmantes apontam que muitos desses votos são lançados por pessoas que sequer vivem as necessidades da localidade onde votam.
A cada pleito, repete-se a cena: eleitores viajam para cidades onde já não moram apenas para cumprir o voto. Mas não são apenas cidadãos comuns que vivem essa contradição. Nos bastidores, candidatos também alteram seus domicílios em busca de territórios mais favoráveis a suas ambições políticas.
O cidadão, ao votar, expressa direitos complexos e interesses comunitários
O que está em jogo não é mera burocracia. O deslocamento estratégico de votos e candidatos pode mudar o destino de municípios inteiros, influenciando eleições e as políticas públicas que afetam a população local. Afinal, quem realmente escolhe os governantes: quem vive o dia a dia da cidade ou eleitores que só aparecem para votar?
Não se trata apenas do direito de votar e ser votado, mas da real relação entre uma pessoa e sua cidade, da agenda política e da representação do voto. O cidadão, ao votar, expressa direitos complexos e interesses comunitários. Da mesma forma, o eleito deve entender seu papel público e sua responsabilidade política.
Para se cadastrar em um domicílio eleitoral, o cidadão deve comprovar um vínculo residencial, afetivo, familiar, profissional, comunitário ou outro que justifique sua escolha. O vínculo político com a cidade vai além da simples moradia, especialmente na sociedade atual, com relações mais fluidas e escolhas distintas das do século passado.
O debate é legítimo: quem não reside em determinado município, mas mantém um vínculo que justifique sua ligação política, deve ou não ter o direito de ali votar? A discussão sobre os parâmetros do exercício da cidadania ganha força, levantando a questão: há uma restrição desnecessária ou estamos diante de uma manipulação eleitoral que ameaça a legitimidade do voto?