Dona Felicidade Camargo Machado poderia se chamar Esperança. Aos 108 anos, segue aguardando a totalidade de R$ 50 mil que o Estado lhe deve em precatórios, segundo ela, "desde o tempo de Getúlio Vargas". Essa idosa é o retrato vivo do desrespeito do Estado diante da situação dramática de milhares de gaúchos.
Para os cidadãos-credores, as dívidas constituíram-se em uma longa novela sem perspectiva de final e muito menos feliz. Hoje, precatórios são parte da herança de famílias, pois muitos não recebem seus valores de direito em vida.
A tentativa de um novo calote dos precatórios fica evidente no inconstitucional Projeto de Lei nº 336/2015, que visa reduzir o limite de pagamentos das requisições de pequeno valor (RPVs) de 40 salários mínimos (R$ 31.520) para o teto máximo de sete salários mínimos (R$ 5.516). Se o projeto do Poder Executivo for aprovado pelos deputados da Assembleia Legislativa do RS, a já gigantesca fila de precatórios vai aumentar ainda mais, pois as RPVs com valores superiores a sete salários mínimos serão transformadas em precatórios.
Segundo maior devedor do país, com um passivo de mais de R$ 9 bilhões junto aos cidadãos-credores, o Estado quase nada destina para precatórios. Agora, o Executivo busca reduzir ainda mais os parcos recursos destinados aos pagamentos de RPVs até o ponto de nada sobrar para quitar dívidas judiciais. O poder público, sempre muito ágil em cobrar compromissos financeiros dos cidadãos, como no recente aumento do ICMS, é lento quando a relação se inverte.
Alertamos ainda que haverá mais uma avalanche de ações discutindo a redução das RPVs. Assim, o Estado segue congestionando o Judiciário Estadual.
Nas últimas sete semanas, a OAB/RS tem mobilizado a advocacia e a cidadania na ALRS garantindo a retirada do projeto das RPVs de votação. Vamos fortalecer a pressão junto aos deputados, pois não podemos permitir um novo calote com a aprovação de uma lei violadora da Constituição Federal.
Assim como em 2011, quando ingressamos no Supremo Tribunal Federal contra a lei gaúcha que aumentou o prazo para o pagamento das RPVs de 60 para 180 dias e que limitou o montante anual de valores a serem saldados em 1,5% das receitas líquidas do Estado, vamos bradar contra a inconstitucionalidade dessa nova lei.