Anik Suzuki, CEO da ANK Reputation e membro do Conselho Editorial da RBS
Assisti a Ainda Estou Aqui, filme baseado no livro do escritor Marcelo Rubens Paiva, que narra o impacto causado na sua família pelo desaparecimento de seu pai, o deputado Rubens Paiva, durante o regime militar, e a busca de sua mãe, Eunice, pela verdade sobre o destino do marido. Vale muito assistir. Pelo retrato histórico de uma época importante do Brasil, pelas atuações espetaculares das Fernandas, a Montenegro e a Torres, e das crianças do elenco. Principalmente, pela opção de valorizar a inteligência e a autonomia de pensamento do público.
São rótulos que não dão conta da complexidade do pensamento e das ideias
Todos os alertas necessários são feitos de maneira sutil e elegante. Não é uma mensagem raivosa, posicionada ou ativista que, como ocorre frequentemente, acaba por afastar uma parte do público. Os diálogos entre os personagens são econômicos, e vamos percebendo e sentindo o que é preciso perceber e sentir sem que alguém tente nos convencer.
Assim que saí da sala de exibição, enquanto eu aguardava no saguão, uma mulher se aproximou de mim, queria conversar. Comentou que chorou muito, que o filme traz um conteúdo necessário, especialmente para as novas gerações e ainda mais no momento que vivemos. Por várias vezes, ela intercalava suas impressões sobre o filme com a ressalva de que não era de esquerda. E isso me chamou muito a atenção. Por que ter gostado e considerado o filme relevante poderia levar à conclusão sobre ela ser de esquerda ou direita? Por que isso seria importante naquele momento? E por que a necessidade de dar uma justificativa desse tipo para uma desconhecida?
Não acho que seja um caso isolado. Estamos vivendo um tempo em que se tornou chato, simplista e, em algumas situações, até perigoso ser identificado como de esquerda ou de direita. Hoje, são rótulos que não dão conta da complexidade do pensamento e das ideias, criados para inibir a participação mais ativa da sociedade e utilizados, na maioria das vezes, com cunho pejorativo ou preconceituoso. Perdemos todos.
Pois esta armadilha também deve ser evitada pelo jornalismo e o seu compromisso com o interesse público e coletivo. Dar luzes a essas narrativas apenas reforçará a polarização existente, que já se provou improdutiva. Para a maioria que acredita e confia no jornalismo profissional, como eu, o que se espera é pluralidade e profundidade para que possamos formar nossa própria opinião e não ter medo de expressá-la.