Por Pedro Doria, jornalista, cofundador do Canal Meio e membro do Conselho Editorial da RBS
Nosso principal desafio, na imprensa, neste ano e no próximo será ideológico. Não no sentido desse embate sem fim entre esquerda e direita, que racha famílias e afasta amigos, que nos acometeu no Ocidente. O dilema é outro: como lidar, de cabeça fria, com a eleição presidencial do ano que vem. Porque muita gente vai querer vê-la como uma repetição do pleito de 2022. E não será.
Muita gente vai querer vê-la como uma repetição do pleito de 2022
O relatório da Polícia Federal é bastante claro: o ex-presidente Jair Bolsonaro planejou um golpe de Estado e trabalhou duro para convencer o alto-comando do Exército de embarcar junto. Quando não conseguiu, pegou um avião para a Flórida. Temos provas materiais e temos depoimentos, incluindo os dos então comandantes do Exército e da Aeronáutica. Mas este trabalho é do Supremo.
Nenhum dos pré-candidatos de direita estiveram envolvidos no golpe. Não aparecem em nenhum dos relatórios policiais. Só que, e estes são dados da pesquisa Quaest colhida na última semana de março, 12% dos eleitores brasileiros veem em Bolsonaro seu líder. Nenhum candidato de direita pode prescindir do apoio do ex-presidente por esta razão. Quem vai ao segundo turno contra o adversário governista é quem tiver estes votos. O drama de qualquer candidato ao Planalto é sempre cruzar a linha dos 10%.
Este é o dilema da direita brasileira. Mesmo da direita democrática. Enquanto a base do bolsonarismo tiver este tamanho, não haverá político brasileiro de direita que não precise dessa turma. É o eleitor que escolhe Bolsonaro como líder. E esta é uma democracia.
A imprensa precisará ter a sapiência de não acusar de golpista qualquer candidato de direita apenas por ter o apoio de Bolsonaro. O que fazia de Bolsonaro golpista era o fato de declarar que queria eliminar a esquerda. Que a ditadura foi boa, que o AI-5 teve algo de necessário. A defesa, desde cedo em sua carreira parlamentar, do assassinato de brasileiros por razões de discordância política. O que fez de Bolsonaro golpista foram seus constantes discursos contra primeiro o Congresso, depois contra o Supremo. Contra a República. Se ele quis um golpe é porque sempre acreditou em golpes.
Ao menos por enquanto, não há sinal de que outros possíveis candidatos à Presidência sejam golpistas ou defendam golpes. Tratar políticos normais como o que são – normais – é o primeiro passo do bom jornalismo.