A Igreja Católica da França teve "entre 2,9 mil e 3,2 mil pedófilos", padres ou religiosos, desde 1950. É o que afirma o presidente da Comissão Independente Sobre a Pedofilia na Igreja (Ciase, na sigla em francês), Jean-Marc Sauvé, que investiga os abusos sexuais na instituição e divulgará na terça-feira (5) um relatório, inédito e muito aguardado, segundo a agência francesa AFP.
De acordo com Sauvé, o número de pedófilos é uma "estimativa mínima", baseada no censo e em análises de arquivos da Igreja, justiça, polícia judicial e imprensa, assim como de testemunhos recebidos pela comissão.
O número diz respeito a uma população total de 115 mil sacerdotes ou religiosos neste período de 70 anos, iniciado em 1950. Após dois anos e meio de trabalho, a Comissão apresentará as conclusões em um relatório de "2,5 mil páginas", incluindo os anexos, disse Sauvé.
O relatório será enviado à Conferência Episcopal da França (CEF) e à Conferência de Religiosas e Religiosos de Institutos e Congregações (Corref), que encomendaram a investigação.
No documento, a Ciase compara a prevalência da violência sexual na Igreja a que foi identificada em outras instituições, como associações esportivas e escolas, e no círculo familiar. A comissão também avalia os "mecanismos, principalmente institucionais e culturais" que podem ter favorecido os abusos sexuais e apresentará 45 propostas, antecipou Sauvé.
No documento, a Ciase compara a prevalência da violência sexual na Igreja a que foi identificada em outras instituições, como associações esportivas e escolas, e no círculo familiar
A comissão também avalia os "mecanismos, principalmente institucionais e culturais" que podem ter favorecido os abusos sexuais e apresentará 45 propostas, antecipou Sauvé. Será uma explosão — declarou à AFP, sob anonimato, um integrante da comissão, conhecida pelas iniciais Ciase.
— Vai ter o efeito de uma bomba — concorda Olivier Savignac, do grupo 'Falar e Reviver' ('Parler et Revivre'), que recebe os depoimentos das vítimas de abusos sexuais.
A publicação "será um teste de verdade e um momento duro e grave", afirma a mensagem divulgada pelo episcopado aos padres e paróquias antes das missas do fim de semana. O texto faz um apelo "a uma atitude de verdade e compaixão".
As propostas podem ser aplicadas em diversos âmbitos, como no momento de ouvir as vítimas, na prevenção, formação dos religiosos, na transformação da governança da Igreja, além de defender uma política de reconhecimento e de reparação.
A publicação do relatório será acompanhada de perto pelo Vaticano, onde o tema foi abordado pelo papa Francisco e parte dos bispos franceses durante uma visita dos à Santa Sé no mês de setembro.
Elaboração do relatório
Para elaborar o relatório, a Ciase transformou os testemunhos das vítimas na "matriz de seu trabalho", explicou o presidente da Comissão. Primeiro com uma convocação para depoimentos, que ocorreu durante 17 meses e recebeu 6,5 mil ligações ou contatos de vítimas e parentes. Em seguida, procedeu quase 250 audiências ou interrogatórios de investigação.
Na maioria dos casos, os atos estão prescritos e os autores dos abusos falecidos, o que torna improvável um recurso à justiça, afirmou a AFP. Os procedimentos canônicos - o Direito da Igreja -, quando ativados, são muito longos e pouco transparentes.
— Espero que consigamos enfrentar este fardo, por pior que seja, para que possamos então adotar as medidas necessárias — afirmou Véronique Margron, presidente da Conferência de Religiosas e Religiosos de Institutos e Congregações.
O episcopado já se antecipou ao prometer, não uma série de reparações, e sim um dispositivo de "contribuições" financeiras pagas às vítimas a partir de 2022, algo que não é unanimidade entre os atingidos.