Tucson, Arizona - O pueblito perdido de Tucson é um posto avançado espanhol de índios Pima, soldados e fazendeiros à margem do rio Santa Cruz. Num dia claro e ensolarado de outono (que poderia ser qualquer outro dia no deserto), Jesús Manuel García Yánez vai às vezes procurar o assentamento perdido do alto de um promontório vulcânico escuro que os locais chamam de "Montanha A ", por conta da gigantesca letra de concreto na sua encosta.
Para ser direto, García, 44 anos, é um ecologista mexicano. Falando mais amplamente, contudo, ele é um emissário autodesignado da terra que já foi conhecida como Pimeria Alta, intérprete de sua cultura, plantas e povo.
Ele apontou para oeste. Imagine o "presidio" de San Agustín de Tucson bem ali, um baluarte de adobe de quase quatro metros de altura, para a defesa contra os saques dos Apaches. Atravessado as acequias, ou antigos fossos de irrigação, ficariam a missão e convento, erguidos depois da visita do padre jesuíta Eusébio Francisco Kino nos anos 1690.
O que obscurecia a vista nesse dia, como nos últimos cinquenta anos, era o amontoamento da Tucson moderna e seu meio milhão de habitantes. O "presidio" havia cedido lugar às torres de escritórios envidraçadas do centro da cidade. A missão e o convento haviam ruído e se tornado um depósito municipal.
- É uma busca por aquilo que Tucson já foi - diz García. - Ao longo do rio Santa Cruz, havia um cinturão de árvores como o algodão americano e os mesquites. Mas tudo isso acabou. O lençol freático diminuiu. Para novas gerações, tentar ver isso é quase impossível.
Com uma exceção. García apontou para a várzea e uma nova parede de adobe que formava um quadrado. Dentro dele havia uma huerta, um pequeno pomar das mesmas árvores frutíferas que o Padre Kino e seus companheiros missionários trouxeram consigo do Mediterrâneo.
Essas árvores não eram miragens: pés de damasco, pêssego, marmelo, figo, pera, lima e romã. Junto a um grupo cívico chamado Amigos do Lugar de Nascimento de Tucson, García ajudou a plantar o jardim da Missão em março, com espécimes que ele mesmo rastreou.
Ele havia encontrado as árvores próximo a canais em fazendas próximas e nos pequenos quintais de senhoras hispânicas de Tucson. Há quanto tempo esse marmeleiro está aí, se perguntava ele, e qual a sua história?
No fim de semana, García voltava ao lugar de origem de sua família, na aldeia missionária de Magdalena de Kino, no México. De certo modo, sua missão pessoal é recriar os pomares que conhecia ali. Começou com algumas dúzias de mudas no quintal da pequena casa de fazenda que divide com sua namorada, Dena Cowan, intérprete de espanhol e produtora de vídeos.
A prioridade esta manhã era visitar a huerta que fica no fundo do vale em Tucson e saborear a história. À primeira vista, as 119 árvores e 24 videiras não se pareciam a nenhum tipo de pomar. Em vez de subir por uma treliça, por exemplo, as videiras se espalhavam pelo chão.
García voltou com um punhado de frutas que encontrou em algumas árvores mais precoces. Ele abriu um elegante canivete e cortou fora o topo de uma esfera brilhante e dourada, supostamente uma romã.
Mas ela não se parecia muito à fruta vermelha que os americanos conhecem (geralmente um cultivar chamado Wonderful). Dentro dela, os nacos comestíveis eram quase brancos e livres de qualquer acidez ou adstringência.
Do mesmo modo, um marmelo americano típico seria intragável sem passar algumas horas mergulhado na calda. Mas o pomo amarelo de García poderia passar por uma pera quase madura.
Que cultivar peculiar era aquele? García deu de ombros. - Os americanos, por tradição hortícola, dão nome a tudo - diz. - A maioria dos mexicanos que mantiveram essas árvores a chama de Agosteno ou Octubreno - isto é, o marmelo que amadurece em agosto ou outubro.
O Departamento de Agricultura do governo americano mantém cerca de 220 variedades de romã e 150 de marmelo em depósitos nas cidades de Davis, na Califórnia, e Corvallis, no Oregon. Mas o curador das romãs, Jeff Moersfelder, teve dificuldade em identificar um correspondente exato para essas frutas. E o responsável pelo marmelo, Joseph Postman, explicou que, no futuro, testes de DNA poderão revelar se a fruta é um descendente perdido de cultivares mediterrâneos.
Por enquanto, García só conta com seu trabalho de campo. Um guarda de parque lhe indicou a árvore-mãe de marmelo do San Rafael Ranch, um grande capinzal que se estendia sobre a fronteira com o México.
A antiga propriedade tinha acabado. Mas a última família a lidar com o gado disse a García, segundo ele, que "desde sempre aquela árvore estava lá. E uns marmelos enormes ficavam apodrecendo na árvore".
O marmeleiro não é uma árvore imortal. Seus dias na terra são contados. Muitas árvores frutíferas chegam à meia-idade aos 75 anos e, aos 100, à decrepitude.
Pareceria impossível, portanto, que as árvores históricas de García tivessem vindo dos missionários. A resposta a essa charada, ele crê, reside numa tradição hortícola mexicana que dura até hoje.
Árvores como figueiras, marmeleiros e romãzeiras em geral começam como mudas. O dono de um pomar corta um pequeno ramo de uma árvore vigorosa e o planta em solo úmido. Em pouco tempo, o espécime vai fincar raízes próprias.
Essa árvore será um clone da árvore-mãe - ou avó. Com isso, García poderia remontar a linhagem de uma árvore a 100 ou 150 anos, isto é, a antes de o Arizona ser um estado americano. O elo que faltava eram os jardineiros de quintal que haviam regado as árvores durante décadas, passando mudas aos filhos ou vizinhos.
Pessoas como Adelina Aros, 95 anos, que vivia num bairro próximo chamado Menlo Park; ela faleceu na primavera. - Ela cresceu em Ruby, no Arizona, e veio de uma família de mineiros e fazendeiros - conta ele. Conversando sobre as origens de sua dúzia de árvores, ele lembra que "ela dizia 'Cuando Tucson era chiquito' - quando Tucson era pequena".
As mudas do quintal de Aros crescem agora no jardim da Missão e no berçário da organização Desert Survivors, na cidade, que vende essas mudas históricas aos locais. Mas - para mim, boa parte não é só coletar e propagar a árvore, mas coletar as histórias por trás das árvores - diz García. - Essa é a conexão com o passado: essa senhora de 95 anos que plantou as árvores. Quantas casas recentes em Tucson têm dez frutas diferentes no quintal? Nenhuma.
De que modo as árvores viajaram originalmente ao Novo Mundo é matéria de especulação. Em seu livro "Gardens of New Spain" ("Jardins da Nova Espanha"), William W. Dunmire data a chegada das plantas do Velho Mundo ao início do século XVIII e ao estabelecimento das cerca de vinte missões do Padre Kino. Viajando a cada novo assentamento a cavalo, ele traria gado e sementes de plantas para sustentar um povoado dos índios O'odham.
Jerry Sortomme, professor emérito de horticultura ambiental no Santa Barbara City College na Califórnia, se debateu com os mesmos mistérios enquanto pesquisava e reunia mais de 500 espécies e variedades da era californiana das missões para cultivar em La Huerta, na antiga missão de Santa Barbara.
- Quem fincou as mudas de videira no embornal que levava num burrico?- se perguntou ele numa conversa telefônica recente. - Quem as envolveu em um saco de estopa molhado ou em couro, para uma viagem para o Novo Mundo? E quem os abriu aqui?
Embora o legado desses primeiros agricultores seja profundo, diz Sortomme, - eles são fantasmas. Essas pessoas se perderam na história.
The New York Times
Buscando as frutas dos jesuítas no Arizona
Ecologista procura recriar pomares que ajudam a ilustrar histórias sobre os missionários e colonizadores do estado americano
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