Em um áudio inédito obtido pelo Grupo de Investigação (GDI) do Grupo RBS, o diretor da Central Estadual de Regulação, Eduardo Elsade, alerta que uma médica que descumpriu horário não deveria ser advertida oficialmente. A mensagem foi enviada ao coordenador estadual do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), o médico Jimmy Luis Herrera Espinoza.
— Não tem advertência, tu podes no máximo chamar ela e dizer que passou para direção e a gente segurou — orienta Elsade na mensagem (clique acima).
A profissional a quem o coordenador se referia na mensagem de voz era a médica reguladora Giordana Vargas Correa, citada na primeira reportagem publicada pelo GDI sobre o escândalo no Samu. Durante um período da madrugada do dia 6 de junho, ela era a única plantonista de um total de sete médicos escalados para trabalhar. Além de cumprir uma carga horária menor, ela simplesmente sumiu da mesa de trabalho entre 6h e 6h30min. Por 30 minutos, um estado inteiro ficou sem atendimento de médico regulador via 192. O ex-enfermeiro do Samu, Cleiton Felix, que fez a denúncia do caso ao GDI, estava na central neste dia. E conta como foi:
— A única plantonista que se encontrava de plantão sumiu. Foi dormir, foi não sei aonde, ela desapareceu do plantão. Até que ela voltou, depois que acabou o plantão, que aquele tumulto passou. Eu fiz uma comunicação direta as chefias e nenhuma conduta foi tomada.
O coordenador médico do Samu estadual, Jimmy Herrera, acredita que o diretor de regulação do Samu se omitiu.
— Teria de ter sido aberto um processo de administrativo. E ela teria que ter sido chamada para dar explicações. Ele pediu para que eu conversasse com ela, mas conversar só não adianta, né? — recorda Herrera.
Em entrevista ao GDI na semana passada, o diretor Elsade insistiu que havia aberto uma apuração:
— Nós estamos avaliando a situação do plantão (da médica Giordana).
Mas como a gravação obtida pela reportagem deixa claro, nenhuma advertência foi aplicada. Em outro momento do áudio, Elsade ainda orienta que a médica Carla Baumvol Berger, a responsável pelo controle do ponto da central estadual do Samu em Porto Alegre, mantenha "o que vem sendo feito até hoje". E reforça que não deveriam ser aplicadas advertências ou procuradas filmagens onde os médicos supostamente apareceriam descumprindo horário:
— Fala com a Carla, nós vamos manter os ajustes desse mês. Ela vai lá, não muda nada, faz exatamente o que fez até hoje. E a partir do mês que vem nós vamos começar o ajuste do teletrabalho e controle. Tudo dentro do decreto do governador de teletrabalho. É isso que eu quero, não tem filmagem, advertência, etc. Até agora é a mesma coisa que a gente vem fazendo desde o início até hoje — diz Elsade na mensagem de voz enviada para Herrera.
Por telefone, o coordenador explicou que "manter o que vinha sendo feito até hoje" queria dizer manter os abonos no controle de relógio-ponto (veja os primeiros flagrantes em vídeo abaixo). Entre as justificativas usadas, apareciam "compensação autorizada" e "falhas no controle de relógio do ponto".
Contrapontos
O GDI entrou em contato com os citados nesta reportagem. A doutora Carla Berger, chefe da divisão de Regulação Médica do Samu, citada no áudio do diretor, disse que só vai se manifestar na sindicância aberta pela Secretaria Estadual da Saúde (SES-RS) para apurar o caso.
O diretor Eduardo Elsade e a SES-RS não se manifestaram. A médica Giordana Vargas Correa também não respondeu ao contato do GDI.
O Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers) se manifestou sobre o caso. A entidade defendeu a categoria, em nota, dizendo que "não medirá esforços e atuará nas instâncias necessárias para a defesa dos profissionais que prestam atendimento qualificado à população gaúcha".
Veja a nota completa do Simers
"O Simers tem compromisso com a qualidade do atendimento médico prestado à sociedade gaúcha. Essa é uma premissa básica que orienta nossa vocação como entidade representativa dos médicos no RS.
Temos convicção de que há muitos médicos excelentes servindo ao SAMU. São profissionais que diariamente salvam vidas e que não podem ser penalizados pela possível conduta inadequada de alguns. E toda e qualquer irregularidade precisa ser apurada, com a justiça e amplo direito de defesa.
Há de se ter cuidado com indevidas generalizações para não penalizar quem se dedica a um trabalho tão intenso e emergencial para salvar vidas.
Independentemente dos fatos em análise, cabe ressaltar, ainda, o contexto vivenciado pelos servidores. Há relatos substanciais de que os profissionais trabalham numa estrutura inadequada e sem as devidas condições. Isso justifica a grande rotatividade e dificuldade de retenção dos médicos, tornando um serviço crítico, de grande responsabilidade, ainda mais penoso.
A própria Secretaria Estadual da Saúde (SES) já reconheceu que há problemas no serviço. E esses problemas precisam ser solucionados. O Simers se coloca à disposição para contribuir com iniciativas junto à SES e outros órgãos competentes no sentido de ajudar a encontrar caminhos para qualificar a prestação de serviços do SAMU. É dessa forma, buscando valorizar a categoria com melhores condições de trabalho, que poderemos avançar.
Por fim, o Simers reitera que não medirá esforços e atuará nas instâncias necessárias para a defesa dos profissionais que prestam atendimento qualificado à população gaúcha."
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