Quase um mês após as reportagens do Grupo de Investigação da RBS (GDI) que mostraram a existência de uma loteria clandestina vendida por colombianos na Grande Porto Alegre, a jogatina ilegal continua. O Bono a Estrela, uma espécie de bingo vendido em cartelas, ainda é comercializado nas ruas de Canoas, com predominância no bairro Guajuviras, um dos mais populosos e carentes da cidade.
No início de julho os sorteios do Bono a Estrela eram anunciados às claras, por dezenas de vendedores que percorriam os bairros Guajuviras e Mathias Velho munidos de megafones. Junto eles levam uma bolsa com as cartelas para venda.
Neste início de agosto a postura dos vendedores ficou mais discreta. O GDI flagrou a comercialização, mas ela é feita sem uso de megafones. Os ambulantes percorrem o comércio de forma silenciosa, procurando clientes que já compraram o bilhete outras vezes. Abordam também transeuntes.
O que não é discreto é o sorteio. Mediante acesso a um número de WhatsApp constante nas cartelas. Pelos stories do app, é possível conferir vídeos que mostram os números sendo sorteados. A sequência de milhar é tirada, número a número, em um globo com bolas.
Esses sorteios ocorrem de segunda a sábado, a partir das 16h30min. Na maioria das vezes, é exibida também a entrega de dinheiro ao ganhador, cédula por cédula.
Mas os sorteios, que ocorriam em frente a estabelecimentos comerciais da avenida principal do Guajuviras, agora acontecem dentro de residências, que são alternadas conforme o dia. Tudo precaução contra abordagens policiais. É que após a divulgação das reportagens do GDI, a 2ª Delegacia de Polícia Civil de Porto Alegre realizou uma ação em Canoas, na qual foram presos 10 vendedores do Bono a Estrela, inclusive dois gerentes.
Os 10 foram soltos no dia seguinte. Como explica o delegado Daniel Mendelski, que coordenou a ação, a jogatina ilegal é uma contravenção, um delito de menor potencial ofensivo. É praxe a Justiça liberar operadores da jogatina. Na segunda-feira (31), a reportagem flagrou pelo menos três dos 10 que foram presos em meados de julho vendendo cartelas do jogo clandestino, no bairro Guajuviras.
A Polícia Civil investiga também duas conexões que podem resultar em penalizações maiores para os envolvidos no Bono a Estrela. Um deles é a lavagem de dinheiro obtido com o jogo clandestino. O outro é a agiotagem.
Conforme demonstrado nas reportagens do GDI, também são colombianos agiotas que extorquem clientes no Guajuviras e outros bairros canoenses, como o Estância Velha. Cartões com ofertas de empréstimo são oferecidos nos mesmos locais onde ocorrem sorteios do Bono a Estrela. Algumas pessoas que tomam empréstimo com eles perdem tudo, porque não conseguem pagar os juros abusivos, de até 20% ao mês.
A cartela
Como mostraram as reportagens do GDI, cada cartela vendida custa R$ 5 e contém oito sequências de quatro números. No pequeno papel com a aposta, há um aviso indicando que o bilhete será anulado se tiver riscos, rasuras ou remendos (veja detalhes no gráfico abaixo). Indicando que é uma iniciativa estrangeira, as cartelas estão escritas em espanhol. No verso do cupom, há um carimbo com a data de validade da aposta. Cada cartela só serve para o dia em que é vendida. Mas, em caso de chuva, o sorteio é adiado e o bilhete com a aposta passa a valer para o dia seguinte.